Comissão prevê derrapagem de 430 milhões na despesa em 2017

Desempenho pior da economia, com impacto na cobrança dos impostos indirectos, é outra explicação para a diferença de previsões entre a Comissão Europeia e o Governo.

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Mário Centeno e o comissário europeu Pierre Moscovici AFP/FRANCISCO LEONG

É da previsão de aumento das receitas com impostos indirectos e da capacidade do Governo para controlar a despesa pública que a Comissão Europeia mais duvida no Orçamento do Estado (OE) para 2017.

Nas Previsões de Inverno publicadas na passada quarta-feira, o Executivo liderado por Jean-Claude Juncker previu um défice público em Portugal no próximo ano de 2,2%, com o défice estrutural a manter-se inalterado face a 2016. Valores bem diferentes daqueles que foram inscritos no OE pelo Governo e que apontam para um défice nominal de 1,6% e uma redução do défice estrutural equivalente a 0,6 pontos percentuais do PIB.

O que explica estas diferenças das estimativas, que representam no total um valor situado em um pouco mais de 1000 milhões de euros? Para a Comissão Europeia, o excesso de optimismo do Governo encontra-se tanto do lado da receita, como da despesa.

Na receita, a diferença entre o que o Governo espera arrecadar e aquilo que é a previsão de Bruxelas ascende a 650 milhões de euros. E a rubrica da receita que mais contribui para esse valor são os impostos indirectos, que a Comissão prevê que venham a ficar cerca de 270 milhões de euros abaixo do orçamentado.

Os impostos indirectos (do qual fazem parte o IVA e diversos impostos especiais sobre o consumo) são aqueles que mais directamente são afectados pela evolução da actividade económica e em particular do consumo. A Comissão Europeia prevê que Portugal cresça apenas 1,2% no próximo ano, ao passo que o Governo é mais optimista, antecipando uma variação de 1,5% no PIB.

Bruxelas, de acordo com os dados actualizados da base estatística da Comissão Europeia (Ameco), prevê ainda uma derrapagem de 130 milhões ao nível dos impostos directos e de 100 milhões de euros nas contribuições sociais.

Depois, a Comissão antecipa que se venha a registar uma derrapagem de cerca de 430 milhões de euros na execução da despesa. Deste valor, 125 milhões correspondem a despesas com o pessoal. No relatório que publicou na quarta-feira, o Executivo europeu faz ainda questão de avisar que mesmo as suas previsões estão sujeitas a riscos, entre os quais inclui “possíveis derrapagens da despesa”.

Logo na semana a seguir ao Governo ter apresentado a sua proposta de OE, Bruxelas tornou públicas as suas dúvidas sobre o documento, numa carta enviada pelos comissários Moscovici e Dombrovskis a Mário Centeno. Nessa missiva pediam esclarecimentos sobre algumas das medidas previstas pelo Governo.

Na sua resposta, o ministro das Finanças português tentou mostrar a Bruxelas que as projecções do OE para a receita fiscal e contributiva, incluindo o programa de regularização de dívidas entretanto lançado, eram “muito conservadoras”. A avaliar pelas previsões agora publicadas, Centeno não terá conseguido convencer, pelo menos totalmente, os responsáveis da Comissão.

Outra das divergências entre Comissão e autoridades portuguesas que o ministro das Finanças tentou ultrapassar esteve relacionada com a forma como é calculado o PIB potencial da economia portuguesa. Centeno defendeu na carta à Comissão que este indicador (que é crucial para o cálculo do défice estrutural) não deve ser apenas influenciado por resultados passados e apelou a Bruxelas para que não revisse em baixa a sua previsão para o PIB potencial português, uma vez que não tinham sido tomadas medidas que o justificassem.

No entanto, olhando para as previsões publicadas na quarta-feira pela Comissão, é evidente que os argumentos vindos de Portugal não foram levados em conta. A Comissão reviu, embora de forma ligeira, a sua previsão de crescimento do PIB potencial de 0,3% para 0,2% em 2016 e de 0,6% para 0,5% em 2017. Isto torna mais difícil a redução do défice estrutural.

Apesar de todas estas diferenças, uma passagem do orçamento português em Bruxelas é dada como certa, sendo apenas possível que a Comissão, no próximo dia 16 de Novembro, venha a declarar a existência de “riscos de incumprimento”, tal como aliás já aconteceu nos dois últimos orçamentos. Em declarações publicadas pelo Jornal de Negócios, o comissário europeu Pierre Moscovici disse que “há diferenças entre as previsões [da Comissão] e as do Governo, mas sem consequências práticas”, salientando que o OE português para 2017 “cumpre totalmente as regras”.

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