Comissão de recrutamento do Estado vai ficar sem presidente

João Bilhim reforma-se a 12 de Outubro e o Governo optou por não o manter no cargo. A sua saída pode pôr em causa o funcionamento da Cresap, que tem em mãos 48 concursos de dirigentes públicos.

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João Bilhim completaria os cinco anos de mandato em Maio do próximo ano BRUNO ALMEIDA

A Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) está prestes a perder o seu presidente. João Bilhim, que está no cargo desde Maio de 2012, vai reformar-se a 12 de Outubro, altura em que deixará a presidência da comissão. Neste momento, o futuro da Cresap é uma incógnita, não se conhecendo ainda o que o Governo pretende fazer: se vai substituir o dirigente, se aproveitará a sua saída para fazer alterações ou se vai extinguir a comissão.

O facto de o presidente da Cresap se jubilar não o impediria de continuar no cargo, desde que o Governo tivesse emitido um despacho a autorizar que se mantivesse em funções por razões de interesse público excepcional. Esse despacho, contudo, não foi proferido.

O PÚBLICO questionou, no domingo, o Ministério das Finanças sobre se ainda equaciona proferir o despacho para que Bilhim termine o mandato; se pretende extinguir a comissão de recrutamento ou fazer alterações ao seu funcionamento e quais os procedimentos a adoptar em relação aos concursos que estão a decorrer. Contudo, não obteve resposta.

Desde 20 de Abril que o Governo tem conhecimento de que João Bilhim iria aposentar-se a 12 de Outubro. A situação foi abordada numa reunião pedida pelo presidente da Cresap à secretária de Estado da Administração Pública, Carolina Ferra. “Tudo foi dito atempadamente”, garantiu João Bilhim ao PÚBLICO.

“Nessa reunião de 20 de Abril, foi-me comunicado que não era intenção do Governo proferir esse despacho, ou seja, na ausência do despacho, eu cessaria funções ope legis no dia da minha jubilação”, explicou.

A decisão do Governo, adianta o responsável, foi confirmada numa nova reunião com Carolina Ferra, que teve lugar na passada sexta-feira.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se estaria disponível para continuar no cargo até ao final do mandato (que termina em Maio do próximo ano), o responsável respondeu apenas que “a questão não se coloca”, porque “o despacho não foi proferido, nem nunca fora dito que seria”.

Bilhim não quis comentar a atitude do Governo, limitando-se a citar o que lhe foi comunicado pela secretária de Estado: “O Governo quer que o senhor professor deixe a Cresap com toda a dignidade”. Ora, acrescenta o ainda presidente da comissão, “ninguém mais do que eu deseja tal”.

Os professores universitários, como é o caso de João Bilhim (que é docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas), regem-se pelo Estatuto da Aposentação. Na norma sobre as incompatibilidades, prevê-se que os aposentados não podem exercer actividade profissional remunerada para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais ou outras pessoas colectivas, a não ser que, “por razões de interesse público excepcional”, sejam autorizados pelo ministro das Finanças (deixando de receber a pensão e ficando com o vencimento do cargo).

Além disso, há ainda que ter em conta os estatutos da própria Cresap, que estipulam como um dos motivos para a cessação de funções do presidente (assim como dos restantes membros) o facto de haver “incompatibilidade superveniente”. No caso, essa incompatibilidade provém do facto de o presidente se jubilar.

Os mesmos estatutos estabelecem que a vaga, que será deixada em aberto por Bilhim deve ser preenchida no prazo de 15 dias após a sua saída. “Ora, por maior boa vontade que haja do Governo - esteve desde Abril para resolver o problema -, não acredito que este prazo seja cumprido”, disse Bilhim, lembrando que o novo presidente tem de ser ouvido na Assembleia da República antes de assumir funções.

A saída de João Bilhim põe neste momento em causa o funcionamento da própria Cresap. Os três vogais permanentes terminaram o mandato em Maio e ainda não é garantido que aceitem continuar. A decisão vai ser tomada esta terça-feira, numa reunião entre os vogais e o presidente – sendo certo que a Cresap não pode funcionar com menos de três vogais permanentes.

48 concursos em aberto

Esta indefinição surge numa altura em que a comissão tem em mãos 48 concursos para dirigentes do Estado, entre os quais estão os procedimentos para vários organismos do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (Instituto do Emprego e Formação Profissional, Instituto de Segurança Social, entre outros), bem como pedidos de avaliação de currículos de gestores públicos.

O futuro destes concursos é uma incógnita. Para já, é certo que a comissão perde capacidade de resposta. “No mínimo com a minha saída há uma redução de 25%, ou seja, um quarto da capacidade de trabalho”, refere.

Bilhim desconhece, porém, que solução será encontrada pelo Governo. “Quanto aos procedimentos a adoptar, eu não sei, a vida continua; as pessoas passam e as instituições ficam, se for essa a intenção do Governo e a vontade dos vogais permanentes”, afirmou.

A Cresap foi criada pelo Governo de Passos Coelho/Paulo Portas em 2011 com o objectivo de tornar mais transparente a escolha dos altos dirigentes do Estado e dos gestores de empresas públicas ou de reguladores. A sua existência e actuação nem sempre foi pacífica e esteve sujeita a críticas – por parte da oposição - e a polémicas (ver texto ao lado).

Em 2015, ainda na oposição, o agora primeiro-ministro António Costa pediu uma avaliação aos concursos da Cresap, por causa da polémica em torno do concurso para os centros distritais de Segurança Social, em que a maioria dos candidatos escolhidos pelo Governo de então tinha ligações ao PSD ou ao CDS.

O actual Governo, através do ministro das Finanças, já veio dizer que “o sistema da Cresap tem algumas deficiências” e que é “muito importante garantir um sistema transparente”. Em Março, durante uma audição na Assembleia da República, Mário Centeno reconheceu a necessidade de acabar com as nomeações em regime de substituição para altos cargos da função pública.

O anterior Governo recorreu a este mecanismo sistematicamente, algo que acabava por colocar estas pessoas em vantagem nos concursos. Contudo, o actual executivo também tem usado este regime, inclusivamente para substituir dirigentes escolhidos pelo Governo de Passos na sequência de concursos da Cresap. 

Tal como o PÚBLICO noticiou, e embora ainda não se conheça o futuro da Cresap, chegou a estar em cima da mesa reduzir de três para dois os nomes dos candidatos seleccionados pela comissão, para que depois o membro do Governo responsável pelo serviço em causa possa escolher um, e criar regras mais apertadas na definição dos perfis.

Actualmente, cabe à Cresap definir o perfil dos candidatos – que fica dependente de parecer do membro do Governo –, lançar o concurso e, finalmente, propor ao ministro respectivo uma lista com o nome dos três finalistas. Esta lista final é ordenada por ordem alfabética e a decisão final cabe ao responsável governamental escolher quem quer colocar no cargo. No caso dos gestores públicos, é o executivo que envia à comissão um nome para análise, sendo que o parecer não é vinculativo. 

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