Chamem-lhe Banco de Estudos de Portugal

O que percebemos das mudanças que Centeno quer fazer na supervisão é o que perde o Banco de Portugal - praticamente tudo. A questão é se queremos uma reforma ou uma revolução. E para quê.

Afinal, não é só o poder de resolução dos bancos que o Governo quer tirar do Banco de Portugal. No desejo de Mário Centeno, Portugal vai ter uma nova entidade para coordenar o trabalho dos supervisores, sendo a última responsável pela estabilidade financeira, com capacidade "analítica e técnica" para garantir a supervisão macroprudencial - e sabendo que a supervisão dos produtos vendidos aos balcões dos bancos também pode passar para a CMVM.

Para nos garantir a não interferência, o ministro das Finanças diz querer que esta entidade seja presidida "por personalidades independentes". Não sabendo nós quem as nomeará. E sabendo nós que nenhum partido no poder tem um problema com entidades independentes, desde que quem lhes presida tenha sido nomeado por si. 

O que sabemos desta intenção é só o que perde o Banco de Portugal - praticamente tudo, tendo em conta que o resto dos poderes (sobre os cinco maiores bancos em Portugal) já está em Frankfurt. Tudo menos os estudos que o BdP faz - e a gestão da moeda. Talvez, depois disto, lhe possam chamar Banco de Estudos de Portugal (só para facilitar a percepção). "A independência de que devemos falar" é só relativamente aos bancos que se supervisiona, disse o ministro ontem. E andámos nós uma semana a falar do veto aos novos administradores.

Diz a história dos bancos centrais que estes ganharam independência dos governos para evitar que estes tomassem decisões boas no curto prazo, a tempo de eleições, mas piores no médio prazo - prejudicando o futuro. Diz a história do União Bancária que esta nasceu para evitar que os banqueiros centrais de cada país tomassem decisões que ajudassem os governos no curto prazo, prejudicando a União Europeia no médio prazo - incluindo aqueles países que, no fim do dia, pagam a conta desses erros (lembra-se da dívida pública que os nossos bancos compraram antes do resgate?) 

Sim, é a isso que chamam "independência". Na prática, estamos só a falar de quem tem o poder. 

É por isso que, nesta intenção de tirar poderes ao Banco de Portugal e de criar um novo supervisor, que não sabemos se reporta a Frankfurt ou a São Bento, o parecer que importa é o do conselho de governadores - o que ontem admitiu prolongar o programa de compra de dívida dos países.

Ninguém em Portugal tem dúvidas de que muita coisa falhou na supervisão. E que é preciso mudar alguma coisa para que nem tudo fique na mesma (e já tanto mudou, entretanto). A questão é se queremos uma reforma ou uma revolução. E para quê.

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