BESuntado até aos cabelos

Foto

A prioridade de Vítor Bento é “reconquistar a confiança” dos mercados e acabar com “a especulação” no BES e o objectivo da Miss Universo é acabar com a guerra no mundo, a pobreza, a fome e ajudar as crianças a serem felizes, e também gostava de ser professora primária e modelo. Para isso, o novo líder do grupo BES mandou fazer uma auditoria externa às contas picantes e insuportavelmente salgadas da gestão de Ricardo Salgado e da família Espírito Santo e Silva Escorraçada, SARL.

O alarme justifica a cautela: depois de semanas de negra espiral noticiosa, estamos diante daquilo que o economista-moralista João César das Néves (em entrevista à TSF) ameaça ser “o maior escândalo financeiro da história de Portugal”. Isto é, potencialmente mais ruinoso para a economia do país do que o casamento homossexual e a ideia peregrina de revogar a obrigatoriedade de levar a autorização do marido, quando a mulher quer visitar o estrangeiro, o 25 de Abril teve coisas boas mas, por amor de Deus, haja bom-senso.

Vítor Bento, conhecido como “o economista-filósofo” (baptismo da jornalista Cristina Ferreira, PÚBLICO), tomou uma profunda decisão moral, levado por um imperativo categórico. Se foi acertada ou não, terá de fazer as contas daqui a meses, anos… caso não seja amanhã cedo, quando tocar o sino e abrirem as bolsas e as comadres da alta finança desatarem a dizer verdades sobre as comadres da banca portuguesa. E a Troika acordar na cama, a bocejar, aborrecida com os telefonemas.

Yes?

— Desculpe, estou a falar com o senhor muito alto careca, ou é o etíope?

— Hum?!

— Diz que o banco que emprestava a todos em Portugal, às empresas e aos partidos, aos particulares e aos governos, que está, enfim... é uma chatice que bem dispensávamos... Damos-lhe a massa ou quê?

— Quem fala?

— ... um amigo...

— Passos Coelho, eu conheço-te a voz!

Aos 60 anos, Vítor Bento, novo Presidente executivo, tem uma “missão” que aceitou “com orgulho”. Porque o BES é “uma instituição que tem um passado histórico”, o que não deixa dúvidas, pois esteve mais de cem anos a render. A maneira como derreteu no ar a fortuna é que foi mais rápida.

Entretanto, as agências de notação financeira oferecem a Vítor Bento, como incentivo de gestão, baixar o nível do BES dois pontos, para “lixo”. E os mesmos executivos yuppies da tanga dizem que já preparam o nível “não toques nessa coisa nem com as luvas, Vítor Augusto!” Vítor foi solidário com a Standard & Poor’s: desceu o rating da sua carreira académica, de conselheiro de Estado e de gerente-chefe dos cartões electrónicos, para correr atrás de uma resma infernal de contas falsas, dívidas e fraudes apagadas de um dos maiores grupos nacionais (o “e internacionais”, já era…).

Isto é, Vítor Bento, antes de recapitalizar o banco, se necessário indo aos bares onde os capitalistas comem, e pagar-lhes um copo e pires de amendoins, vai “andar aos papéis”. E desconfiando que os papéis que interessavam foram parar ao caixote do lixo, ou transformados em esparguete de papel na trituradora. No entanto a imprensa sublinha, todos os dias, que a equipa decidiu que todas as contas e actividades serão “passadas a pente fino” (no caso de Vítor Bento, naturalmente, um pente muito fino).

Vítor Augusto Brinquete Bento nasceu em Estremoz em 1954. Tirou o curso de Economia pela Universidade Técnica de Lisboa, é mestre em Filosofia pela Universidade Católica e lança bitaites sobre o Tribunal Constitucional, que acusa de ter decisões em que acabam “demasiado misturadas considerações jurídicas e políticas,” como se política e direito estivessem separados numa democracia constitucional. Desde 2008 (até ao recente cargo), foi conselheiro de Estado, a convite do Presidente Aníbal Cavaco Silva. Durante estes anos terá decerto aconselhado sobre as implicações jurídicas, políticas e morais de se comprarem acções a 1 euro, de uma SLN detida por um BPN fraudulento e criminoso — e as revender, pouco depois, com lucro de 147,5 mil euros, sem nunca devolver o dinheiro ao país.

Escreveu, entre outras, as obras O Nó Cego da Economia e Economia, Moral e Política. Mas poderá escrever, quando encerrar as contas do seu trabalho, o livro Economia Imoral na Política.

Para já, a lista de prioridades incluiu o dossier de Angola: é preciso não perder os 3.000 milhões de euros de apoios de liquidez concedidos ao BES Angola. Vai ser bonito, vai. Mas, se todas as soluções negociais falharem, existe a diplomacia sentimental e cultural. Luanda poderá ouvir o seu filho ilustre “kizomba” e devolver o dinheiro. Que Vítor Bento contrate Anselmo Ralph:

Mente para Mim

Dá pra ver que já não queres mais nada

E que o meu toque pra ti, já não tem piada

Eu sei que dizem que a verdade liberta

Mas se é verdade que já não me amas

Então prefiro estar preso na mentira

Se há dinheiro para auditorias externas, também há para audições.     

Sugerir correcção
Comentar