BCP utiliza Correios e lojas para se expandir em Moçambique

“As oportunidades em diferentes sectores económicos” e as que se abrem com os “grandes projectos do carvão e do gás natural” tornam Moçambique “um alvo incontornável para os investidores”, defende em entrevista ao PÚBLICO José Reino da Costa, o director-geral do Millennium Bim.

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Para o gestor que lidera o maior banco comercial do país, o reatamento das relações de Moçambique com os parceiros internacionais vai permitir “restabelecer a confiança” gerada pela ocultação da dívida pública e “recuperar o ritmo de crescimento da economia”.

Depois de em 2016 ter registado lucros de 71 milhões de euros, o banco moçambicano, detido em 85% pelo grupo liderado por Nuno Amado [em parceria com o Estado], voltou a fechar o primeiro trimestre deste ano com resultados positivos de 20,7 milhões, mais 54% do que o apurado em idêntico período do exercício passado. Nos primeiros três meses de 2017, os recursos de clientes dispararam 22%, atingindo 1,43 mil milhões de euros. 

O Millennium bim (Bim) tem vindo a perder quota de mercado para o BCI [parceria CGD e BPI]. Quais os desafios que enfrenta para manter o lugar da frente? 
Desde a fundação o banco contribuiu de forma inequívoca para o desenvolvimento do sector bancário em Moçambique. Hoje não conseguimos imaginar o sistema bancário sem ATMs, POS, cartões de débito, crédito, internet e mobile banking. Há 21 anos, quando o Bim nasceu, nada disto existia em Moçambique. Mas ganhámos a confiança dos clientes e assumimos a liderança. A nossa estratégia assenta em três eixos: solidez, com uma gestão de risco conservadora e um crescimento sustentável no longo prazo; inovação, como é o Mobile Banking Millennium IZI que tem hoje mais de seis milhões de transacções por mês e permitiu bancarizar [atrair para dentro do sector] um conjunto de pessoas que antes não tinha acesso a serviços bancários; preocupação com a proximidade do cliente. Num país com a dimensão de Moçambique e com grandes assimetrias regionais é fundamental ter um conhecimento aprofundado das diversas realidades. E temos apostado em organizar as nossas redes comerciais e em estabelecer centros de decisão regionais.

Apesar do nível baixo de bancarização que existe em Moçambique...
... o que também é uma oportunidade. O Bim lançou, no ano passado, dois projectos para promoção a bancarização: uma parceria com os Correios de Moçambique que tem como objectivo a instalação de balcões ou de agentes bancários na sua rede. Os clientes terão acesso a um leque de produtos e serviços bancários bem como a oferta de serviços postais. Esta parceria promove a requalificação do património imobiliário dos Correios de Moçambique. E vamos conseguir chegar a um conjunto de distritos que ainda não estão abrangidos por serviços bancários mas onde já existem instalações dos Correios.

Lançámos [também] o projecto dos agentes bancários que permitirá aos comerciantes prestarem serviços financeiros através da instalação de um terminal de pagamento e recebimento e facultar serviços financeiros. Através da instalação de um terminal de pagamento e recebimento os clientes vão poder efectuar um conjunto de transacções - levantamentos em numerário, transferências, pagamentos de serviços e de impostos, compras de recargas, consultas de saldos. Com a conjugação dos dois projectos [as parcerias com os correios e com os comerciantes], o Bim vai estar presente em todos os distritos.

Preocupa-o a presença no mercado dos grandes bancos sul-africanos?
Não, muito pelo contrário. Os bancos sul-africanos estão em Moçambique há muitos anos e têm um posicionamento mais direccionado para as empresas sul-africanas e multinacionais que dependem dos centros de decisão da África do Sul.

A concentração de 90% dos empréstimos nas mãos de apenas seis bancos [de um lote de 18 que competem no mercado] não constitui um grande risco para a sustentabilidade do sector?
O nível de concentração em Moçambique está em linha com outros países da região e até mesmo de outros mercados. Olhando para os actuais níveis de crédito malparado do sistema, e particularmente os do Millennium Bim, não considero que exista um problema potencial para o sector bancário. O importante é que os bancos tenham práticas comerciais adequadas, uma boa gestão do risco e capitais próprios robustos capazes de acomodar os efeitos negativos dos ciclos económicos.

Recentemente o Banco de Moçambique alterou o quadro do reforço da solidez das instituições financeiras e ajustou normas prudenciais, onde se destacam as que visam o aumento, num prazo de três anos, do valor do capital mínimo dos bancos, de setenta milhões de meticais para mil e setecentos milhões de meticais (25 milhões de euros). E do rácio de solvabilidade mínimo de 8% para 12%...
Para o Bim, as medidas não têm qualquer impacto, pois já cumpre os requisitos. Desde finais de 2015, Moçambique tem vindo a enfrentar desafios macroeconómicos, com choques adversos ao nível económico e social que levaram à intervenção em duas instituições bancárias por parte do regulador. Ficou claro que a situação actual e os desafios que Moçambique tem pela frente requerem um quadro regulatório mais exigente que torne o sistema financeiro mais resiliente. E as recentes medidas, que vão ser faseadas em três anos, visam o reforço da solidez e da estabilidade do sistema para mitigar os riscos da conjuntura. Isto, numa altura em que o país se prepara para absorver grandes projectos de investimento directo estrangeiro, em particular na indústria de mineração e LNG [gás natural liquefeito], com potencial para alavancar o crescimento do Produto Interno Bruto.

Em 2015 a revista britânica The Economist destacava “o nível de grande confiança" na indústria bancária moçambicana, com os financiadores públicos e privados a desenharem ambiciosos planos para a expansão, alicerçados nas taxas consistentemente fortes da indústria, margens de lucros estáveis e um ambiente regulatório cada vez mais credível”. O optimismo era exagerado?
Moçambique está atravessar um ciclo económico mais desafiante, mas o País continua a crescer e como a dimensão da economia é ainda pequena, qualquer sinal positivo no desenvolvimento dos grandes projectos terá um efeito rápido e multiplicador para a economia.

Naturalmente, que o contexto político e económico acaba por ter impacto nas decisões de alguns investidores que olham para Moçambique como um mercado potencial. Após um forte e rápido crescimento do investimento directo estrangeiro entre 2011 e 2014, deparamo-nos agora com números menos expressivos. Mas julgo que estamos apenas perante um adiamento de decisões de investimento, uma vez que os investidores estrangeiros continuam a olhar para o país como um mercado com elevado potencial para os seus negócios, sendo que os aspectos fundamentais do potencial económico se encontram inalterados

A crise aberta pela ocultação, entre 2012 e 2015, por parte das autoridades de dívida pública [endividamento externo de 1,37 mil milhões, cerca de 10,6% do PIB de 2015] gerou uma percepção de falta de credibilidade do país. Preocupa-o?
Os resultados da recente visita aos Estados Unidos e mais recentemente o resultado da visita duma missão do FMI a Moçambique, parecem estar a conduzir a um restabelecimento das relações com os parceiros internacionais que têm cooperado com Moçambique. E em breve estarão reunidas as condições para o restabelecimento da confiança e para a recuperação do ritmo de crescimento da economia.

As empresas portuguesas, muitas são PME e pouco capitalizadas, estão a conseguir ajustar-se a este ciclo de dificuldades [crise de pagamentos]?
O investimento português tem grande relevância no tecido empresarial moçambicano sendo hoje aquele que mais postos de trabalho gera. O que se deve ao facto de, na sua maioria, serem PME a operar no mercado há muitos anos, demonstrando capacidade de resiliência e de superação de dificuldades. De uma maneira geral, apostaram em estratégias de longo prazo e ajustaram-se ao actual contexto económico. Mas as empresas que vieram numa perspectiva de resultados mais rápidos, com maior dependência das importações, terão mais dificuldade.

A economia moçambicana é de pequena dimensão e pouco diversificada, com o sector agrícola a dominar [cerca de um terço do PIB] e a empregar cerca 80% da força de trabalho. Acredita que o país tem condições para beneficiar das oportunidades que se irão gerar com as receitas da prospecção do gás, do carvão e do petróleo?
Poderão ser naturalmente uma alavanca importante para posicionar Moçambique a outro nível de desenvolvimento e acredito que o governo e os agentes económicos têm essa consciência e tudo farão para aproveitar essa oportunidade.

De que modo o Bim pode aproveitar o desenvolvimento da indústria do gás, do petróleo e carvão?
O sistema financeiro moçambicano, genericamente, não tem volume de capitais necessário para financiar essas operações, que vão ser financiadas por grandes instituições financeiras mundiais. Existe uma oportunidade no que respeita ao financiamento de todas as operações da cadeia de valor relacionada com os grandes projectos. Quando, há 21 anos, decidimos apostar neste mercado foi numa perspectiva de longo prazo, e continuamos a acreditar no seu potencial. O sucesso do desenvolvimento de Moçambique passará pela diversificação da economia e o governo definiu como áreas estratégicas a agricultura, a energia, as infra-estruturas e o turismo. 

O que torna Moçambique atractivo para um investidor seja de origem local ou internacional?
As oportunidades abrem-se em diferentes sectores económicos, da agricultura, às infra-estruturas e logística, mas também à energia, ao turismo, à educação e à indústria transformadora, com potencial de desenvolvimento considerável. Com os grandes projectos [carvão e gás natural] surgiram ainda novas oportunidades. E Moçambique torna-se um alvo incontornável para os investidores, nomeadamente, para os portugueses.

Porque é que o mercado de capitais moçambicano continua em banho-maria? 
É um conceito novo para a maioria dos empresários e o grande desafio é divulgar as suas vantagens, por exemplo, de satisfação das necessidades de investimento das empresas e de aceleração do crescimento através do acesso a uma fonte de financiamento alternativo. A entrada de empresas no mercado de capitais implica um conjunto de condições de partida como ter contabilidade organizada, auditorias, modelos de governance, entre outras exigências. E quando analisamos o tecido empresarial moçambicano verificamos que está ainda em desenvolvimento e há um longo caminho a percorrer antes de poderem aceder ao mercado de capitais.

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