BCE exigiu venda do Banif "por todos os meios disponíveis"

As autoridades portuguesas exploraram um "plano C", a criação de um "banco de transição" que permitisse adiar a venda do Banif, para negociar melhor. Foi o BCE que fechou essa última porta.

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AFP / DANIEL ROLAND

Nos últimos 15 dias do Banif, as portas iam-se fechando, uma a uma, para uma solução mais pacífica. A fusão com a Caixa Geral de Depósitos, proposta pelo Governo, foi liminarmente rejeitada pela Comissão Europeia, que também não quis ouvir falar de uma nova capitalização pública, como defendia o Banco de Portugal. Sobrava, então, um "plano C" às autoridades portuguesas. Aplicar ao Banif uma resolução, criando um banco "bom", de transição, que permitisse alargar o prazo para a venda (prevista para 18 de Dezembro de 2015) e, eventualmente, fazer subir o preço e diminuir o valor a pagar pelos contribuintes.

Essa hipótese começou a falhar no dia 15 de Dezembro, cinco dias antes da resolução. Era a véspera de duas importantes reuniões das estruturas do Banco Central Europeu (BCE). No dia 16, em Frankfurt, reunir-se-iam os governadores de todos os bancos centrais do eurossistema, encontro onde estaria Carlos Costa, e que seria presidido por Vítor Constâncio. Uns pisos abaixo, reunir-se-ia o conselho de supervisão, que contaria com a presença do administrador do Banco de Portugal com esse pelouro, António Varela.

Varela contou aos deputados, na comissão de inquérito, na passada quinta-feira, que a reunião em que participou discutiu a hipótese de criar um "banco de transição" que permitisse às autoridades ganhar o tempo necessário. E foi claro sobre este ponto: "Estávamos, no conselho de supervisão, confiantes de que íamos ter autorização para constituir um banco de transição."

O que este responsável não disse aos deputados é que já na véspera dessa reunião era claro para toda a gente que o BCE se opunha à solução apresentada. Às 22h26 de dia 15, Varela recebeu um email do seu colega do BdP José Ramalho que não podia deixar margem para dúvidas: "O BCE está inteiramente contra." Nesse email, que mistura frases escritas metade em português, metade em inglês, Ramalho explicava que o banco de transição teria a oposição do BCE "mesmo como fallback do sale of business". Isto é – numa só língua –, mesmo que a venda até 18 de Dezembro não resultasse. Ramalho acrescenta, para que não restem dúvidas, que "para eles" (o BCE), só a hipótese da venda "deve ser prosseguida". E, de novo em inglês: "With all means available" (Por todos os meios disponíveis).

A expressão original é de Jukka Vesala, o director-geral finlandês da supervisão no BCE. Num email que também chegou a António Varela, no dia 15, Vesala escreve: "A venda deve ser prosseguida por todos os meios disponíveis." E mais: "Vou expressar as nossas preocupações no conselho de supervisão amanhã face ao banco de transição." Havia três condições, impossíveis, para que o BCE aceitasse a proposta que Varela considerava.

A francesa Danièle Nouy, que preside ao conselho de supervisão, expressou, também na véspera da reunião, as suas dúvidas. O banco de transição, tal como estava proposto, "não é um banco viável", decreta a responsável.

Por isso, é estranho que Varela tivesse entrado, e ainda mais saído, da reunião de 16 optimista. Segundo o seu depoimento na comissão de inquérito, foi o conselho de governadores, ao suspender o estatuto de contraparte a partir do dia 21, que tornou impossível a solução. "Fiquei surpreendido, quando percebi que uns pisos acima [da reunião da supervisão], onde estava reunido um outro órgão do BCE [o conselho dos governadores], se tinha decidido que o Banif tinha de ser resolvido ou vendido até segunda-feira, porque nessa altura o banco já não tinha estatuto de contraparte." Mas era isso, precisamente, que estava explícito na ideia de prosseguir a venda "por todos os meios"...

“Nem percam tempo...”

Ainda assim, Varela disse aos deputados que se tratou de uma "mudança" de posição, que "restringiria claramente e dificultaria a venda do Banif", cujo prazo para a apresentação de propostas terminava no dia 18.

No dia 19, a mesma Danièle Nouy, presidente do conselho de supervisão do BCE, tal como fizera a Comissão Europeia (através de três responsáveis, como o PÚBLICO noticiou esta quinta-feira), apresenta, também sem margem para dúvidas, o comprador do Banif. “A chamada com o Santander correu muito bem e a Comissão Europeia vai aprovar.” É assim que começa um mail, dirigido ao Governo português.

Nouy cita os pareceres, informais, de Astrid Cousin, Gert-Jan Koopman e Karl Soukup, para frisar que “há outras ofertas pelo Banif, que de acordo com a Comissão não respeitam as regras da União Europeia das ajudas de Estado e que por isso não podem seguir em frente”.

Se restassem dúvidas a Carlos Costa, Mário Centeno, António Costa ou a qualquer outro responsável: “A Comissão Europeia foi muito clara neste aspecto, por isso, recomendo que nem percam tempo a tentar fazer passar essas propostas.”

"Assim que as autoridades [portuguesas, no caso o Banco de Portugal] estiverem prontas para começar o processo", acrescenta Nouy, a Comissão vai "começar a trabalhar directamente com o Santander". Até porque, elogia, o “Santander está a comportar-se de maneira muito profissional e tem um departamento legal excelente”.

E isto é o mais longe que se pode ir, para já, na história da venda do Banif. Todavia, parece reunir consenso alargado entre os deputados da comissão de inquérito que a palavra "venda" merece umas aspas. "O processo acabou com a imposição de um comprador único: o Santander", resumiu João Almeida, do CDS, que acrescentou uma frase, logo subscrita por deputados de outras bancadas: "O banco foi entregue. Desculpem, mas não consigo dizer vendido." Com Cristina Ferreira

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