Aumento dos dividendos cria tensão dentro do Banco de Portugal

Este ano os lucros pagos ao Estado foram limitados pela decisão do Banco de Portugal de aumentar as provisões contra o risco. No OE, os dividendos aumentam 300 milhões e ajudam meta do défice.

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Banco de Portugal contribui com mais 300 milhões para o orçamento Daniel Rocha

A inclusão na proposta do Orçamento do Estado para 2017 (OE 2017) de um dividendo a pagar pelo Banco de Portugal de 450 milhões de euros, um acréscimo de 303 milhões face a 2016, está criar tensão dentro da instituição liderada por Carlos Costa. Em causa está uma alegada mudança na política seguida no último ano pelo supervisor em relação às provisões constituídas para acautelar riscos que possam advir da desvalorização de activos, em particular, de divida pública portuguesa.

Apesar de se desconhecer uma explicação oficial para este reforço de dividendos, a medida não passou despercebida dentro da instituição. Uma fonte do Banco de Portugal ouvida pelo PÚBLICO critica o facto de o aumento da distribuição de dividendos estar a resultar de questões políticas. Outro elemento do banco central critica a cedência do banco a essas pressões.

Um sinal público de mal-estar surgiu de José Bracinha Vieira, consultor Adjunto da Direcção de Carlos Costa, que no Facebook se expressou numa linguagem crua. Acusou o Governo de um “‘saque’ de 450 milhões de euros de lucros” do BdP “à custa da criação de provisões para a carteira de dívida pública portuguesa que, com o aumento de juros deste ano e o que vier a ocorrer nos próximos tempos levará a uma desvalorização desses títulos e a imparidades.”

O social-democrata, que até ao Verão foi director do gabinete sancionatório do BdP, admite que se o governador insistir em remunerar o accionista em 450 milhões pode contribuir para “a descapitalização do banco central”. Bracinha Vieira considera também “um erro” afectar as receitas não recorrentes relativas à recuperação de uma garantia prestada ao Banco Privado português em 2008 “que disfarçam o défice em cerca de meio por cento do PIB”.

A medida prevista no OE de 2017 está a ser lida em certas esferas do BdP como sendo sobretudo política, por contrariar a estratégia conservadora adoptada nos últimos anos para acautelar riscos potenciais resultantes da desvalorização de activos. Ou seja, para o BdP se proteger da compra em larga escala de divida pública portuguesa, no quadro do programa de expansão quantitativa do Banco Central Europeu (BCE) iniciado em 2015.

O PÚBLICO sabe que o assunto da distribuição de dividendos foi alvo de conversas entre o regulador da banca e o Governo nas últimas semanas.

Contactado pelo PÚBLICO, fonte oficial do Banco de Portugal preferiu não fazer comentários.

Em declarações à Lusa, o secretário de Estado do Tesouro, garantiu esta terça-feira que “o Banco de Portugal faz as provisões que entende adequadas”. “O Banco de Portugal é uma instituição pública, do Estado português, que é dono do capital, e é normal que pague dividendos ao accionista relacionados com o resultado de cada ano", assinalou ainda Reicardo Mourinho Félix.

O aumento da receita prevista com dividendos na proposta de OE apresentada na passada sexta-feira representa um contributo muito significativo para os objectivos do défice que o Governo pretende atingir no próximo ano. O acréscimo de dividendos é, a seguir à recuperação da garantia ao BPP, a segunda operação que mais contribui para a redução do défice e corresponde a um valor idêntico à soma das receitas esperada pelo Executivo com a soma da nova taxa adicional ao IMI, a actualização do imposto sobre as bebidas alcoólicas e a alteração do imposto sobre os combustíveis, por exemplo.

O reforço na orçamentação desta receita surpreende sobretudo pela diferença face ao que aconteceu no ano passado. E é verdade que há uma grande razão para que o Banco de Portugal possa potencialmente gerar mais lucros agora do que aquilo que conseguia  no passado: em conjunto com o resto do Eurosistema o banco central nacional tem estado a aumentar consecutivamente o volume de títulos de dívida pública portuguesa que detém na sua carteira. Essas obrigações de tesouro dão ao banco a possibilidade de ter mais ganhos com os juros recebe e de realizar mais valias quando os títulos chegam à maturidade.

No entanto, as contas não ficam por aqui. É que, no ano passado, apesar de o banco já beneficiar nas suas contas de ganhos adicionais garantidos pelo aumento de títulos de dívida no seu balanço, os lucros não dispararam. Isso aconteceu porque, em simultâneo, os responsáveis do Banco de Portugal optaram por reforçar as provisões para riscos gerais em 480 milhões de euros, o que tem um efeito negativo nos resultados líquidos da instituição. Os dividendos pagos em vez de subirem, desceram 57 milhões de euros face ao ano anterior.

Na altura, o Banco de Portugal explicou esta decisão com a necessidade de se precaver contra o risco que é ter no seu balanço um volume tão grande de dívida pública portuguesa, garantindo que foram seguidas as regras habituais de gestão de risco usados no Eurosistema.

Esta opção do Banco de Portugal contudo foi alvo de fortes críticas, especialmente dos partidos à esquerda do Governo, e tem sido um dos temas centrais discutido no grupo de trabalho (que reúne o Governo e os partidos que o apoiam) que tenta encontrar formas de reduzir o peso da dívida pública. Desse grupo de trabalho deverá sair, de acordo com o Jornal de Negócios, uma proposta que conduza a uma política de provisionamento e de distribuição de lucros mais favorável para o Tesouro.

Quem defende esta opção assinala que noutros países da zona euro, a política de provisões é muito menos prudente que a do Banco de Portugal, questionando a lógica de um banco central se proteger contra um eventual default do Estado que é o seu accionista.

Todas estas decisões são tomada num ambiente em que não há regras explícitas e objectivas que definam quais os procedimentos a tomar. Na lei orgânica do Banco de Portugal, está definido que 80% dos resultados líquidos devem ser entregues ao accionista, ficando os restantes 20% em receitas. No entanto, em relação à política de provisões, que influencia o valor dos lucros, apenas se diz que estas podem ser criadas “para cobrir riscos de depreciação ou prejuízos a que determinadas espécies de valores ou operações estejam particularmente sujeitas”.

Para além disso, no Plano de Contas do Banco de Portugal (o documento que estabelece as práticas contabilísticas da instituição e que é aprovado pelo ministro das Finanças sob proposta do banco) apenas é estabelecido um limite máximo para o volume de provisões que possam ser criadas, de acordo com o tipo de activos detidos. No caso dos títulos, esse limite é de 5% do valor a preços de mercado. No final de 2015, o Banco de Portugal tinha no seu balanço 4047 milhões de euros de provisões para riscos gerais.

Nas declarações que fez à Lusa, o secretário de Estado do Tesouro garantiu que "a política de provisões do Banco de Portugal é determinada por critérios definidos ao nível do Eurosistema”. Do lado do BCE, fonte oficial da instituição, contactada pelo PÚBLICO, remeteu qualquer resposta para as regras contabilísticas a nível da zona euro e que estabelecem que “cada banco central nacional decide quanto à dimensão e à utilização da provisão com base numa estimativa justificada da exposição de risco do banco central”..

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