Artesãos e designers: uma história de amor em Milão

Empresa de design de produto, premiada com peças das marcas Munna e Ginger and Jagger, organizou um evento de promoção de design português na Semana de Milão

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As marcas Munna Ginger & Jagger marcaram presença no salão de Milão

Quem se interessa pela temática do design já sabe: todos os caminhos do mundo vão dar a Milão durante as primeiras semanas de Abril. Na mesma semana em que decorre o Salone del Mobile, nas gigantescas naves que acolhem o Parque de Exposições de Rho-Milão, o centro da cidade deixa-se invadir por eventos, exposições, palestras, espectáculos, experiências – é o “Fuorisalone”, considerado o mais importante evento de design no mundo.

“É a semana em que todas as pessoas da área do design se concentram, e estão com a mente preparada para procurar e receber informação”, explica Paula Sousa, fundadora das marcas portuguesas de design de produto Munna, criada há oito anos, e Ginger & Jagger, que apareceu há quatro anos.

Foi a essa multidão interessada que Paula Sousa quis dar a conhecer “uma história de amor”. Não é uma história de amor qualquer, nem sequer uma história ficcionada, apesar de ter recorrido à ficção e à criatividade de dois jovens realizadores, para a contar em dois curtos filmes. O que Paula Sousa quis levar ao coração do Milão, e à capital do mundo do design, foi a história de amor sobre a qual construiu a sua profissão e o seu negócio: a relação profícua e mutuamente vencedora entre o design e o ofício. Ou, dizendo de outra forma, “Love Between Design & Craft”, o nome do evento com curadoria das duas marcas que teve lugar no Palazzo Durini, no centro histórico da cidade de Milão, a escassos metros da mítica praça do Duomo.

O pátio central do Palazzo - um edifício histórico ainda residência de habitantes com ligações nobiliárquicas - e duas das suas salas laterais acolheram uma exposição de peças de mobiliário das duas marcas, a estreia de dois filmes (Device of Love, de André Tentúgal, para Munna; e Grounded Love, de João Sousa, para Ginger & Jagger) e um cocktail e festa privada a que ocorreram centenas de pessoas. O evento foi organizado com a ajuda da consultora cultural Joana Fins Faria. O resultado foi casa cheia e rostos satisfeitos. A concorrência era muita: o eventro foi planeado para uma sexta feira, e na cidade multiplicavam-se os eventos de entrada livre e por convite.

“O que mais nos impressionou na proposta destas marcas portuguesas – e que acontece pela primeira vez - foi a forma como cuidaram os detalhes destas exposições, e nos vieram aqui mostrar como o artesão, o trabalho manual, assume um papel tao relevante no design contemporâneo”, explica Alessia del Corona Borgia, responsável pelo desenvolvimento estratégico do “Cinque Vie”, um dos dez “distritos” que asseguram a programação do “Fuorisalone”.

A história de amor que foi trabalhada enquanto conceito neste evento é, também, um negócio que vai permitir Paula Sousa manter a estimativa de fechar o ano de 2017 com um volume de negócios de três milhões de euros. Paula Sousa desenha peças de mobiliário (estofos, com a marca Munna, e toda a outra gama de mobiliário e iluminação levam a assinatura da marca Ginger & Jagger). E entrega a sua produção, com a curadoria de uma equipa que hoje em dia já integra quatro designers, a artesãos com oficinas no Norte do país. “Trabalhava com muitos artesãos para a Munna e foi percebendo que havia ofícios a desaparecer. Já não falo só dos marceneiros, mas da serralharia, que em Portugal é muito conotada com a construção civil, com as coisas brutas, mas que também é um ofício, uma arte”, argumenta Paula Sousa.

A marca Ginger & Jagger cria peças de design contemporâneo inspiradas nas formas da natureza. Um tronco, uma roseira, uma ostra, tudo pode servir de inspiração. Os pés da consola “Primitive” parecem troncos de madeira, entrelaçados. “Mas são peças de latão fundido, feitos a partir de um molde numa oficina de um serralheiro. É uma forma poética de prestar um tributo à natureza, dizer-lhe o quão bonita ela é”, explica Paula Sousa.

Do ponto de vista do negocio, o arranque desta marca foi muito importante para a empresa de Paula Sousa, por permitir completar a sua presença nos stands das feiras internacionais com outras peças que não os estofos, que são exclusivos da marca Munna. “A Munna é a marca que nos dá mais volume de vendas, e das quais vendemos mais unidades. Mas é a Ginger que pesa mais no volume de facturação da empresa”, esclarece a empresária.

Pegando no exemplo do produto que mais vende em cada marca, percebe-se bem esta diferença. Na marca Ginger & Jagger a estrela é o aplique de parede “Pearl”. É um candeeiro a fazer lembrar uma ostra, feito a partir de uma pedra de mármore única, que tem de ser escavada manualmente – “e só conhecemos dois artesãos em quem temos confiança e reconhecemos capacidade para o conseguir fazer”, diz Maria Bruno Néo, diretora da equipa de designers da empresa - e incorpora depois uma componente em latão que simula uma pérola. Demorou mais de um ano a desenvolver, demora algumas semanas a executar e tem o preço de venda de 3690 euros. A cadeira Corset, da marca Munna, é feita manualmente, passando por vários marceneiros e estofadores, e custa 1140. Mereceu, até agora, umas das encomendas mais expressivas da marca: 600 cadeiras para decorar um cruzeiro de luxo que circula num rio alemão. “O facto de estarmos a falar sempre em produção manual, não quer dizer que não se possa produzir em quantidade”, insiste em sublinhar Paula Sousa.

Às vezes, o que parece ser óbvio merece mesmo ser sublinhado. E se é obvio que os artesãos que trabalham para as marcas Munna e Ginger &Jagger são peças fundamentais no sucesso da empresa, merece ser sublinhado que foram eles que engrossaram a comitiva de convidados da empresa a participar no evento que animou o Palazzo Durini. Quando Paula Sousa desafiou Manuel Baptista, um ourives que assegura a segunda geração à frente de uma oficina familiar em Gondomar, teve como resposta um ponto de interrogação: “Eu faço jóias, não faço móveis”. Paula Sousa convenceu-o de que os móveis também são jóias, e hoje Baptista já precisa de empregar mais seis artesãos para trabalhar consigo e dar conta das encomendas.

O candeiro “Banana”, cuja versão de pé foi lançada em Janeiro no salão “Maison et Objet”, em Paris, custa 4100 euros. A versão de suspensão, lançada neste Salone del Mobile, em Milão, custa 6.290 euros. Cada uma das folhas destes bananas é cinzelada à mão e demora três a quatro dias a executar. “Eu costumo dizer que já não tenho uma equipa, mas sim que tenho uma selecção”, diz Manuel Baptista, entusiasmado, referindo-se aos artesãos que ajudou a formar para integrar a sua oficina. Sobre o que sente ao ver as suas peças fora do ambiente da oficina, expostas num palácio setecentista tão bonito? “Fico emocionado”.

 

A jornalista viajou a convite da Urban Mint

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