Aos nossos sucessos

A atitude de igual entre iguais, sem sobranceria, assente em sucessivos sucessos económicos, trouxe-nos uma alavancagem que nos elevou de bêbedos a Ronaldos.

Foi com evidente satisfação que acolhi as notícias da saída de Portugal do Procedimento por Defice Excessivo. A satisfação não vem apenas do facto em si mas daquilo que esta saída nos permite. Ganhamos flexibilidade para a realização de alguns investimentos públicos, ganhamos alguma autonomia de decisão de política interna, damos um sinal positivo aos misteriosos mercados. Pode ser um recomeço auspicioso.  

Parte ainda da minha satisfação vem também das condições sobe as quais efetuamos esta saída. Fazemo-lo com o PIB a crescer 2,8%, com o desemprego numa rota descendente e abaixo dos 10%, o emprego a crescer a uma taxa de 3,2% no primeiro trimestre do ano. Enfim saímos com uma situação francamente positiva do ponto de vista interno.

Mais ainda, saímos com uma evidente postura digna perante a Europa. Não somos mais o bom aluno subserviente e servil que acata ordens e leva umas boas palmadinhas nas costas. Posicionamo-nos como um par que cede quando tem que ceder e que exige e negoceia quando tem que o fazer.

A autoria dos sucessos económicos pode ser mais ou menos debatível, mas a propriedade dos sucessos políticos é sem dúvida deste governo.

Em primeiro lugar, pela onda de otimismo e de confiança criada que condicionou determinantemente o comportamento dos agentes. Em economia, metade da história conta-se por aspetos comportamentais, por gestão de expetativas, por factos de foro psicológico individual e coletivo.

Em segundo lugar, pela capacidade negocial com a esquerda política. Pela primeira vez na história da nossa democracia, a esquerda posicionou-se pela positiva. A atitude negativa de contrapoder pelo contrapoder teve que ser refreada. A esquerda percebeu que conseguiria conquistas (como o aumento do salário mínimo) se fosse capaz de negociar e ceder. E o governo de António Costa tem sido exímio nesta negociação.

Em terceiro lugar, pela capacidade de se posicionar na europa. A já referida capacidade negocial, a atitude de igual entre iguais, sem sobranceria, assente em sucessivos sucessos económicos, trouxe-nos uma alavancagem que nos elevou de bêbedos a Ronaldos.

Ou seja, estamos numa fase económico-política positiva. A mais positiva de que a geração dos meus filhos tem memória. E isto deve-se, de facto, ao governo PS e em grande medida a António Costa e a Mário Centeno.

Mas todo o discurso otimista e positivo deve ser cauteloso agora e nos próximos longos anos. A situação interna de Portugal tem um sem número de fragilidades que não se ultrapassam conjunturalmente e que não se resolvem com 2,8% de crescimento do PIB.

Todos sabemos que temos que aumentar a competitividade das nossas empresas. É esta melhoria que pode permitir um saldo positivo das exportações líquidas (quer seja por aumento das exportações quer seja por substituição interna das importações). Este saldo positivo é fundamental para sustentar o crescimento no médio e longo prazo. Não porque seja mau expandir o consumo privado (querer uma melhoria do saldo da Balança de Bens e Serviços não significa ser contra o crescimento do consumo privado saudável), nem a procura interna (nomeadamente o investimento e os gastos públicos), mas porque efetivamente estes ainda são muito frágeis.

Em 2016 tínhamos 25% da população em risco de pobreza ou exclusão social. Destes, cerca de 19% eram menores de 18 anos e 18% maiores de 65. 60% dos agregados familiares que declaram IRS ganham menos que 13.500 euros anuais. 41% da população portuguesa com mais de 15 anos apenas tem o 2º ciclo e 62% apenas tem o 3º ciclo de escolaridade.

Somos um país com pobreza, analfabetismo (real e funcional), iliteracia e desigualdades gritantes. Temos uma população envelhecida e a envelhecer. Na Europa a 28 somos, junto da Itália e da Grécia, o país com a menor taxa de natalidade. Não temos uma política de imigração estruturada e pensada a par com as questões do crescimento natural.

As fragilidades são imensas. Os sucessos de curto prazo não se suportarão numa teia tão fina. Se não conseguirmos tornar a base mais sólida e mais resistente, ao mínimo percalço (que pode ser tão simplesmente uma subida dos juros nos mercados internacionais) os sucessos podem começar a tremer.

A par da conjuntura, e longe dos ciclos eleitorais, tem que se pensar e reforçar a estrutura.

Juntamente com as políticas de combate à desigualdade e à pobreza, tem que se definir uma política de demografia (de natalidade e de imigração) consistente e inteligente. Tem que se fazer política de rendimentos e tem que se apostar de forma inequívoca na Educação.

Educação básica, secundária e superior, educação ao longo da vida, formação profissional, formação no trabalho, formação de quadros, qualificação dos gestores, etc.

Estas são as verdadeiras reformas estruturais. As que nos permitirão dar o salto civilizacional que assegurará que os nossos sucessos são sólidos e permanentes.

 

Francisca Guedes de Oliveira é membro do Conselho Científico e Estratégico do IPP (Instituto Políticas Públicas Thomas Jefferson - Correia da Serra)

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição

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