Proprietários propõem reinstalação das lojas históricas em prédios da câmara de Lisboa

Associação desafia deputados a esclarecerem “por quem e como será o proprietário indemnizado nesta espécie de expropriação”.

Foto
Proprietários preocupados com conceito de lojas históricas PUBLICO/Arquivo

A Associação Nacional de Proprietários (ANP) está contra as alterações ao regime legal do arrendamento urbano, considerando que se está perante “um retrocesso, que vai sobressaltar e afastar do mercado uma parte bastante significativa de investidores nacionais e estrangeiros” e propõe a reinstalação das lojas históricas em imóveis da câmara.

Ouvido esta quarta-feira no grupo de trabalho que está a discutir na especialidade o projecto de Lei n.º 155/XIII, proposto pelo Partido Socialista, para alterar o regime de arrendamento das lojas históricas e para prolongar o período de transição da actualização de rendas habitacionais para inquilinos com mais de 65 anos, o presidente da ANP, António Frias Marques, destacou a ambiguidade do diploma, à semelhança do que já tinha sido defendido pela Associação Lisbonense de Proprietários.

O diploma em discussão inclui um aditamento ao Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA) em que é retirada aos proprietários a possibilidade de denúncia do contrato com base na necessidade de remodelação e restauro profundo do imóvel e até a denúncia para demolição no caso de existir no locado um estabelecimento ou entidade sem fins lucrativos que tenha sido classificado como de interesse histórico ou cultural local.

“Apesar de um turbilhão de generalidades [redacção do projecto de lei], não se define clara e inequivocamente o que é uma loja histórica ou uma entidade com interesse histórico e cultural”, referiu Frias Marques, na apresentação prévia que fez na audição.

Com ironia, Frias Maques conclui que “por enquanto, ainda ninguém sabe dizer como é que uma loja merece esse adjectivo e, portanto, loja histórica é apenas uma expressão mágica a que o astrólogo pode dar o significado que quiser”.

A pretexto de sentimentos sobre determinados lojas ou locais, a que as pessoas estiveram ligadas nalguma altura das suas vidas, o líder associativo pergunta: “A partir de agora, alguns negócios vão eternamente ficar ligados à máquina?”.

Defendendo que “as casas comerciais, tal como as pessoas, nascem, vivem e morrem!”, o líder associativo lança um desafio: “Em situações de obras de restauro profundo, porque não se reinstalam as lojas históricas nos tantos prédios abandonados e vazios que a Câmara tem e constituem o seu património disperso?”.

E aos que possam considerar esta tarefa impossível, recorda a transferências do Clube Militar Naval, em Lisboa, e a translação de 24 monumentos arqueológicos e os enormes templos de Abu Simbel, no Egipto.

Ainda a propósito do conceito vago de loja histórica, o presidente da ANP defende que “no caso de a loja ser arrendada, tal classificação representa um ónus para o proprietário, já que o interesse é apenas do arrendatário, havendo que esclarecer por quem e como será o proprietário indemnizado nesta espécie de expropriação”.

E destaca que “o interesse pode ser também para a cidade, como destino turístico, isto no caso de todas as lojas históricas fazerem parte do ‘cenário turístico’. O turista vem ver a loja e, eventualmente até paga para tal (temos exemplos disso), daí extraindo o arrendatário chorudos proventos, enquanto o proprietário apenas vê os seus direitos coarctados, daí só retirando prejuízo”.

Manutenção do congelamento das rendas

No que se refere às alterações ao arrendamento habitacional, a proposta em cima da mesa prevê o prolongamento do período transitório para 15 anos nos arrendamentos comerciais e 10 anos nos arrendamentos habitacionais. Frias Marques contesta esse prolongamento, reclamando a concretização do subsídio de renda, cujo diploma foi aprovado pelo anterior Governo.

“Para os proprietários é indiferente que os estudos tendentes a provisionar o subsídio de renda no Orçamento do Estado (estimada em 50 milhões de euros anuais) tenham ou não sido executados pelo anterior Governo ou que o venham a ser pelo actual ou pelo que vier a estar em funções na apresentação do Orçamento do Estado para 2018”, alega Frias Marques, defendendo que ainda há tempo para a sua concretização, "até porque o período transitório das primeiras actualizações de rendas ao abrigo da Lei n.º 31/2012, que procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, não termina antes de Março de 2018”.

Por essa razão defende que “se está muito a tempo (quase dois anos) de executar os estudos necessários e acomodar o subsídio de renda que é devido aos cerca de 40 mil contratos de arrendamento habitacional, cujos arrendatários alegaram carência económica”.

E lembra que o Decreto-Lei n.º 156/2015 prevê a criação do subsídio de renda, dando resposta social aos arrendatários idosos, com idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 % e também aos arrendatários que, alegando carência económica, aufiram mensalmente rendimentos inferiores a 3091 euros, o equivalente a cinco retribuições mínimas nacionais anuais”.

Garantindo que “a ANP não pretende o despejo geral da nação”, Frias Marques recupera um “velho” argumento dos senhorios - o de que “o Estado Português não pode transferir para os proprietários, obrigações que exclusivamente lhe pertencem”.

Concluindo, Frias Marques alegou que “as duas principais consequências desta Lei são a manutenção ad eternum do congelamento das rendas habitacionais estabelecidas antes de 1990 e agora alvo da prorrogação da prorrogação (dez anos mais dois) e, no caso não habitacional, a corrida aos argumentos da história, pois todos vão querer ser históricos e os que não tiverem engenho e arte para tal, vão ser também alvo da prorrogação da prorrogação, mas a um nível superior (dez anos mais cinco)!”

A Associação Lisbonense de Proprietários alertou os deputados para a inconstitucionalidade de algumas das alterações propostas.

No âmbito das audições em curso, Helena Roseta, presidente do grupo de trabalho da habitação, já reconheceu que a redacção da proposta de diploma “poderia ser mais feliz”, e que “não está em condições de ser aprovado como está”. Manifestando-se aberta a sugestões, a deputada do PS admitiu, com ironia, que “o diploma pode sofrer obras de reabilitação profundas”.

Sugerir correcção
Comentar