Ainda sobre a Caixa Geral de Depósitos

Não seria desejável substituir as comissões de inquérito por comissões independentes, com pessoas notáveis da sociedade civil e/ou internacionais, para auditar o processo em causa?

No caso Caixa Geral de Depósitos (CGD) a discussão tende a resumir-se à questão “Havia ou não acordo com António Domingues para isentar a administração da CGD da entrega das declarações de patrimínio no Tribunal Constitucional?” Ok, é uma questão importante porque revela o carácter de tão ilustres intervenientes, mas sobretudo porque paralisou a CGD durante demasiado tempo. No entanto, embora seja uma questão importante, para nós, portugueses (directa e indirectamente) fora do “mundo da política”, há outras questões que nos preocupam muito mais, porque estamos cansados de alimentar uma numerosa “corte”, pagando, com esforço, impostos.

A primeira questão que deixo é então a seguinte: porquê concentrar a discussão nessa questão e em SMS, deixando de fora o essencial do problema? Dito de outro modo, porque discutir a “vírgula” e ignorar o “texto”? Será que é o mais importante restringir o problema a uma espécie de episódio moderno da saga “Duarte&Companhia”, com troca de SMS sobre assuntos de Estado, provavelmente pagos com os nossos impostos, entre o presidente de um banco público e o ministro das Finanças?

No essencial do problema e só mesmo para citar um exemplo, pergunto então como foi possível nomear “politicamente” administradores tipo Armando Vara, que, em termos de qualificações, não estaria certamente nos lugares cimeiros de uma lista de portugueses mais recomendados e, em termos de percurso profissional, tinha tido já problemas enquanto governante? Foi o prémio por tamanho brilhantismo?! E que responsabilidades foram imputadas a nomeantes e nomeados? Na resposta a esta última questão sabemos que nenhuma!

Porque escasseia a informação disponibilizada aos portugueses? Como é possível, por um lado, defender o sigilo bancário para devedores, sobretudo, se forem grandes devedores e, por outro lado, desejar o fim do sigilo para valores poupados? É realmente muito estranho! Não creio que nessa lista de grandes devedores à CGD conste o português “representativo”, a quem certamente a CGD exigiria outras garantias. A ideia é então tolerar, esquecendo, o enorme montante de recursos transferidos para poderosos, desvirtuando por completo a função redistribuição? Mas, porque havemos nós, os outros portugueses, pagar por “crimes” que não cometemos?

Onde esteve a supervisão do regulador Banco de Portugal (BdP)? Sabemos que não esteve! E então pode perguntar-se: faz sentido continuar a alimentar a transição regular de pessoas entre cargos de regulação (no BdP) e cargos na banca, incluindo a CGD, e vice-versa? Este fenómeno de “portas giratórias” é, no mínimo, confuso e revela que, para quem decide, só alguns têm capacidade para “tão relevantes cargos”, que, no entanto, a evidência revela que os desempenham mediocremente. Que responsabilidade lhes foi imputada, sendo que são remunerados a “peso de ouro”? Nenhuma, como sabemos! Mas então foi por não terem “dado conta do recado” que merecem o prémio de voltar?!

Sejamos honestos e assuma-se que reguladores e regulados acabam por ser sempre os mesmos e que, quanto mais não seja, por razões de interesse pessoal, são amigos, partilham os mesmos selectivos restaurantes, locais de férias e lobbies, os filhos frequentam as mesmas escolas, vivem nas zonas mais caras em luxuosas habitações e, portanto, pensam da mesma forma e não podem deixar de mutuamente se favorecer. António (faz que) vigia José, depois de ter acontecido o contrário, e o ciclo repete-se constantemente. Alguém acredita numa supervisão assim? Havendo portugueses tão notáveis porquê restringir este grupo de privilegiados desde há tanto tempo? Para bem de todos, não há vantagens em eliminar as barreiras à entrada?

Para quê as comissões de inquérito na Assembleia da República se as conclusões são sempre enviesadas por quem, em cada momento, possui a maioria? Não será desperdício de recursos? Não seria desejável substituir as comissões de inquérito por comissões independentes, com pessoas notáveis da sociedade civil e/ou internacionais, para auditar o processo em causa?

Até quando este estado de coisas em Portugal? Até quando vale (quase) tudo e ninguém leva a sério a coisa pública?

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