Agora é o consumo privado que afasta Portugal da convergência

Banco de Portugal prevê agora um crescimento de 1,8% e uma taxa de desemprego abaixo de 10% em 2017. A aceleração vem das exportações e do investimento.

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Um novo modelo na Autoeuropa, que foi visitada pelo presidente da República e promeiro-ministro, vai ajudar economia em 2017 Jornal Publico

Ao contrário do que alguns temiam quando o Governo anunciou a sua estratégia de reposição de rendimentos, a economia portuguesa não deverá, durante os próximos anos, basear o seu crescimento numa aceleração do consumo. Antes pelo contrário, o consumo é mesmo a única componente do PIB para o qual o Banco de Portugal prevê um abrandamento em 2017 e nos dois anos seguintes, num cenário geral de melhoria da conjuntura. O problema? Sem a ajuda do consumo, as probabilidades de o país voltar a convergir com a Europa ficam muito reduzidas.

O relatório publicado esta quarta-feira pelo Banco de Portugal, onde são divulgadas as projecções da instituição para a economia portuguesa durante o período de 2017 a 2019, é bastante diferente daqueles a que o país se foi habituando nos últimos anos. Este está repleto de boas notícias.

A economia portuguesa irá crescer mais do que aquilo que se previa há três meses, colocar a taxa de desemprego abaixo da barreira dos 10%, irá fazê-lo graças a uma retoma do investimento e das exportações e, tudo isto, conseguindo manter a balança com o exterior numa posição excedentária. Tudo aquilo que normalmente é referido como indispensável para se seguir um padrão de crescimento saudável e sustentável é cumprido.

A revisão em alta das previsões foi motivada pela surpresa do Banco de Portugal perante “um dinamismo da actividade económica no final de 2016 e início de 2017 superior ao antecipado no anterior exercício de projecção” e significou que, em vez dos 1,4% projectados em Dezembro, se aponta agora para uma variação do PIB este ano de 1,8% - um valor que é superior aos 1,5% estimados em Outubro pelo Governo quando apresentou o Orçamento do Estado e aos 1,6% recentemente lançados pela Comissão Europeia. O Executivo fica assim com mais argumentos para rever nas próximas semanas a sua estimativa para valores próximos de 2%, tal como revelou o ministro das Finanças, em entrevista à Bloomberg.

A surpresa da entidade liderada por Carlos Costa surgiu principalmente por causa da resposta dada pelas exportações e pelo investimento no final do ano passado e já nos primeiros meses de 2017. É por estas duas componentes do PIB que passa o resultado mais positivo deste ano e dos próximos.

De acordo com as previsões do Banco de Portugal, as exportações de bens e serviços deverão acelerar de um crescimento de 4,4% em 2016 para 6% este ano, quando em Dezembro não se previa mais do que 3,7% em 2016 e 4,8% em 2017. Este resultado tão forte é ajudado pelo facto de agora o banco central ter como pressuposto um crescimento da procura externa de 4%, em vez dos 3,4% de Dezembro. Mas, ainda assim, significa que se está agora a projectar um maior ganho de quota de mercado das exportações portuguesas, já que as exportações crescem mais 2 pontos percentuais do que a procura externa.

Do lado do investimento, aquilo que o Banco de Portugal prevê, depois de uma correcção em alta do resultado para 2016, é o arranque deste indicador ao fim de vários anos decepcionantes. A previsão é de um crescimento de 6,8%, que compara com o recuo de 0,3% em 2016 e a previsão anterior de 4,3%.

A autoridade monetária enuncia diversos factores para explicar a retoma destes dois indicadores, destacando o “desempenho das exportações de turismo, (…) favorecido pela ocorrência em território português de importantes eventos à escala internacional”, o regresso a padrões normais de exportações no sector energético e automóvel, a manutenção de condições favoráveis de financiamento para as empresas, a necessidade de recuperação do stock de capital português, a normalização da atribuição de fundos europeus e a previsão de realização de investimentos importantes em infra-estruturas. Tudo isto, conclui-se, resulta num crescimento mais forte da economia em 2017, feito a par da manutenção de um excedente da balança externa do país.

Todas estas boas notícias, contudo, não chegam para que o país possa colocar definitivamente para trás o cenário de divergência face à média europeia a que se tem assistido de forma quase ininterrupta desde o início deste milénio. No seu relatório, o Banco de Portugal deixa claro que as taxas de crescimento previstas para este ano e para os anos seguintes, apesar de serem mais positivas do que a média dos últimos anos em Portugal, não chegam para garantir a convergência real com a zona euro.

E, olhando para as previsões do Banco de Portugal, fica evidente que aquilo que não permite apontar para taxas de crescimento mais altas na economia é o facto de não ser possível perspectivar uma retoma do consumo privado, uma componente que representa mais de 60% do PIB.

Pelo contrário, o Banco de Portugal prevê um crescimento de 2,1% para este indicador em 2017, um valor que, embora seja maior do que o da economia como um todo, fica abaixo dos 2,3% registados em 2016. E para 2018 e 2019, a perspectiva é de um abrandamento para 1,4%.

Isto acontece, explica o banco central, porque não se antecipam subidas maiores do rendimento disponível, a taxa de poupança já está em mínimos históricos e não pode baixar mais, os portugueses vão continuar a tentar reduzir o seu endividamento e o aumento registado nos dois últimos anos no consumo de bens duradouros, como automóveis, não deverá ser sustentável.

É verdade que a estimativa de melhoria das condições no mercado de trabalho, com a taxa de desemprego a baixar dos 10% um ano mais cedo do que o previsto pelo Governo, pode ajudar a evolução do consumo, mas, de acordo com o Banco de Portugal, isso não chegará.

Desde que entrou em funções, o Governo assumiu e aplicou uma estratégia que incluía várias medidas destinadas a recuperar o rendimento disponível dos portugueses, como a reposição do valor dos salários dos funcionários públicos, a eliminação da sobretaxa do IRS e a subida do salário mínimo. A acreditar nas previsões do Banco de Portugal, tal não irá ser suficiente para, neste ano e nos próximos, o consumo privado acelerar. Confirmando-se este cenário, e dado o peso que o consumo privado ainda tem na economia portuguesa, poderão ter de ser precisos mais anos para que o país volte a aspirar a uma convergência.

Quatro ajudas à aceleração da economia em 2017

Normalização dos fundos europeus

O Governo tem explicado a quebra do investimento público em 2016 com o facto de o novo ciclo de fundos europeus ter tido no ano passado um arranque bastante mais lento do que aquilo que seria previsto. Agora, para 2017, a esperança é que chegue o dinheiro que não chegou em 2016. Isso pode não só fazer subir o investimento público (algo que já aconteceu nos dois primeiros meses do ano) como o investimento privado, que também é muito influenciado pelos fundos europeus.

Investimento em barragens

O Banco de Portugal diz estar à espera de um aumento do investimento em grandes infra-estruturas. Deverá ser especialmente nas barragens que está a pensar. A Iberdrola está a construir um complexo hidroeléctrico no Alto Tâmega em que se prevê um investimento de 1500 milhões de euros. A construção das três centrais (Alto Tâmega, Daivões e Gouvões) começou em 2014 e prevê-se que fique concluída em 2023. A empresa diz que já concretizou contratos de 425 milhões de euros com empresas portuguesas e que já foram envolvidas 70 empresas portuguesas, incluindo 15 empresas dos municípios vizinhos. Além disso, prevê garantir até 13.500 empregos directos e indirectos durante a fase da construção (há já cerca de 500 trabalhadores envolvidos) e diz que vai pagar em taxas e impostos anuais entre 45 a 50 milhões.

Papa e a onda do turismo

As receitas do turismo, que são contabilizadas como exportações de serviços, têm vindo a registar um desempenho impressionante nos últimos anos e deverão continuar a crescer, acredita o Banco de Portugal, que assinala a realização no território nacional de eventos de grande dimensão capazes de trazer ainda mais pessoas ao país. A visita do Papa a Fátima agendada para este ano será porventura o acontecimento com mais impacto a este nível.

Novo modelo na Autoeuropa

Em 2016, as exportações foram penalizadas na primeira metade do ano pelo facto de a Galp e a Autoeuropa terem registado reduções de produção. Em 2017, o cenário pode ser mais positivo. No caso da Autoeuropa, foi anunciada a produção de um novo modelo, o T-Roc, que deverá começar a ser vendido no final de 2017.

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