Accionistas franceses do BES chamados ao Banco de Portugal

A Carlos Costa chegam sugestões de nomes para a gestão do BES, como os de Ricciardi, Joaquim Goes ou José Honório. O regulador diz que a decisão é dos accionistas e reserva-se o direito de avaliar a idoneidade das propostas.

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Ricardo Salgado foi constituído arguido no processo Monte Branco enric vives-rubio

O número dois do Crédit Agricole, segundo maior accionista do BES, esteve nas últimas semanas em Lisboa para reunir com os responsáveis do Banco de Portugal (BdP) com quem abordou as relações futuras com o Grupo Espírito Santo (GES). Os contactos surgem num momento de turbulência no universo da família Espírito Santo, com a holding que concentra os seus interesses sob escrutínio apertado das autoridades nacionais e luxemburguesas, o que abriu espaço ao aparecimento no BdP de uma “lista” para substituir a actual gestão liderada por Ricardo Salgado, onde constam, por exemplo, os nomes de José Maria Ricciardi (BESI), de Joaquim Goes e de José Honório.

Os encontros que juntaram no BdP o antigo braço direito de Nicolas Sarkozy e ex-secretário geral do Palácio do Eliseu, hoje no Crédit Agricole, Xavier Musca, e a equipa de Carlos Costa tiveram como pano de fundo o posicionamento do grupo francês em relação ao terceiro maior banco português, que tem em curso desde ontem um aumento de capital de 1045 milhões de euros, condicionado a um prospecto invulgar: os investidores são convidados a subscrever acções e, em simultâneo, são alertados para a hipótese de a actual administração não ser reconduzida. A operação ficará concluída a 11 de Junho e decorre com um desconto de 35%.

Apesar de não haver muitos detalhes sobre os encontros, é provável que, depois de consumada a separação da BESPAR (que assegurou nos últimos anos o controlo conjunto do BES), o BdP e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tenham procurado saber qual a posição do gestor francês sobre a continuidade de Salgado à frente do BES. Mas também se o Crédit pretende manter administradores na comissão executiva. Esta é, porém, uma matéria de várias versões: se o prospecto de emissão abre espaço a uma mudança de governação a curto prazo, Salgado já veio dizer que está disponível para continuar  até ao fim do mandato (2015). Isto se os accionistas quiserem.

Os problemas que se registam no GES justificam em parte a guerra de poder que rebentou no final do ano passado entre Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, com este a confrontar publicamente o chefe do clã pelas suas decisões como gestor. A actuação inscreve-se na tentativa de autonomização do BESI em relação ao BES. O presidente do BESI foi a semana passada ao Dubai para negociar a entrada de um accionista de referência no banco de investimento.

“Lista” de nomes no BdP
O contexto de crispação dentro da família Espírito Santo justificou a entrega no BdP, este mês, de uma proposta com sugestões de nomes para uma nova gestão do BES. Para além de Ricciardi, constam da “lista” ainda Joaquim Goes, da comissão executiva presidida por Salgado, e José Honório, ex-presidente da Portucel/Semapa. Um gestor com perfil na área industrial que foi braço direito de Pedro Queiroz Pereira e que Salgado foi buscar para ser consultor na reestruturação do GES. Foi curiosamente do dono da Semapa que partiram as denúncias sobre a ESI entregues no final do Verão ao BdP.

Tudo indica que o BdP fez saber que a escolha de uma nova gestão cabia aos accionistas do BES, ainda que não prescinda de avaliar qualquer proposta, seguindo os critérios e as análises exigidas internacionalmente. Instado a comentar as informações o BdP declinou fazê-lo. 

Nos contactos que antecederam a divulgação do aumento de capital do BES, para além de Carlos Costa, também o presidente da CMVM, Carlos Tavares, terá procurado apurar quais as intenções futuras do segundo accionista do banco (o Crédit vai reduzir a sua posição de 20% para cerca de 15%, mantendo-se, por isso, com um lugar de referência) e garantir que a próxima administração se responsabilizará pela boa gestão dos fundos que lhe forem confiados.

No final do aumento de capital, o GES/ESFG terão reduzido a sua posição no BES de 27,5% para 25%, o que implicará um investimento de 200 milhões de euros na compra de direitos de subscrição. Esta operação, que culminará numa alteração da estrutura de capital com perda de domínio directo da família, decorre num quadro de fiscalização apertada que já saiu do âmbito nacional, envolvendo as instâncias europeias (BCE/EBA), e já com processos a correr na praça financeira do Luxemburgo, onde tem sede a ESI, o epicentro dos problemas. Com o supervisor luxemburguês a pedir informações, é admissível que o escrutínio à ESI/GES esteja longe do fim.

No prospecto do aumento de capital, os investidores são informados das irregularidades detectadas na gestão da ESI que  colocaram a holding numa “situação financeira grave” e que, a deteriorar-se, poderá afectar a credibilidade do BES, com “impacto” no valor das acções. O documento iliba, todavia, o BES e realça que a ESFG (a maior accionista) tomou medidas para proteger a instituição de “eventuais situações de incumprimento por parte da ESI”.

Com insuficiências de capital da ordem dos 2,5 mil milhões, as auditorias externas detectaram uma exposição a instrumentos de dívida de empresas do GES à volta de 5 mil milhões: 3% do PIB português. Recorde-se que, em entrevista ao Jornal de Negócios, Salgado reconheceu ter existido negligência na ESI, mas remeteu “as culpas” para o contabilista, dando a entender que não existia um corpo executivo à frente da holding que concentra os interesses da família.

Uma declaração que tem sido questionada. Desde logo por Salgado ser vogal da administração da ESI, presidida pelo comandante Antonio Ricciardi, onde também estavam Mosqueira do Amaral, José Maria Ricciardi, Manuel Fernando Espírito Santo e José Maria Espírito Santo. Recorde-se que as averiguações à ESI foram desencadeadas por denúncias apresentadas aos reguladores. Apesar das informações que constam do prospecto, a Moody’s manteve o rating do BES. Uma nota: a  31 de Dezembro de 2013, a exposição da rede de retalho do BES ao papel comercial das empresas do GES era de 1,7 mil milhões de euros, valor que é agora de 284 milhões e, segundo o compromisso do banco, será nulo em Dezembro.

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