A OPA de Vítor Gaspar

Foi há cinco anos que os brasileiros da Camargo Corrêa compraram a cimenteira portuguesa, depois de ter conseguido convencer o Governo português dos méritos da sua estratégia. Uma operação que teve como cenário a presença da troika em Portugal.

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dro daniel rocha

Foi, provavelmente, o “sim” mais rápido da história do mercado financeiro português. No dia 30 de Março de 2012, os brasileiros da Camargo Corrêa anunciaram a oferta pública de aquisição (OPA) sobre a Cimpor e nem meia hora depois a Caixa Geral de Depósitos (CGD) aceitava a contrapartida de 5,5 euros, um euro abaixo do que havia exigido aos brasileiros da Votorantim, alguns meses antes. Esta resposta imediata surpreendeu o mercado e, quase cinco anos depois, foi enquadrada por António Nogueira Leite, administrador da Caixa à época.

Numa audição, no passado dia 9 de Março, o antigo administrador descreveu o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, como “muito cioso do seu poder” e deu um exemplo concreto. Nogueira Leite admitiu que “houve indicações do accionista” no caso da venda da Cimpor à Camargo Corrêa, acrescentando que esse foi o “único caso na CGD” e ficou registado em acta. “Essa operação tinha a ver com uma alienação financeira, mas não gostámos do processo e não a fizemos nos exactos moldes em que o senhor conselheiro quis”, numa referência a António Borges, entretanto falecido, que era conselheiro do Governo de Passos Coelho para as privatizações. Nogueira Leite acrescentou que Borges queria que a CGD procedesse à “venda irrevogável” da posição da CGD na cimenteira. “Dissemos que nunca o faríamos e foi uma discussão difícil”, recordou. Uma intervenção que estava contextualizada pelas ordens da troika de retirar o banco público de tudo o que não fosse o sector bancário.

Na altura a aceitação da Caixa foi decisiva, porque desequilibrou a balança a favor da OPA do grupo brasileiro, arrastando a aceitação dos restantes accionistas, a Investifino, de Manuel Fino, o BCP e a própria Votorantim, que estava com a Camargo no capital da cimenteira portuguesa, através de um acordo parassocial que incluía também a Caixa, que tinha 9% da Cimpor.  Esta OPA culminou um longo e intenso processo de disputa pelo controlo da Cimpor, que envolveu a CSN, uma outra cimenteira brasileira, e despertou não só o interesse internacional , mas também nacional, com Pedro Queiroz Pereira à cabeça.  

No final da operação, a Intercement – empresa constituída pela Camargo para controlar a empresa portuguesa – ficou dona de 94% da Cimpor, um desfecho que foi sendo contestado por pequenos accionistas e desencadeou a intervenção da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O regulador liderado por Carlos Tavares viria ainda a ser chamado a intervir nos capítulos posteriores desta OPA, depois de a Camargo ter chegado a acordo com a Votorantim para a troca de activos da cimenteira pela participação que esta detinha no capital da Cimpor. 

Esta permuta de activos deu à Votorantim os activos que a Cimpor detinha na China, Índia, Espanha (embora não na totalidade), Peru, Marrocos, Tunísia e Turquia. Em troca, a dona da Cimpor ficou hegemónica na empresa e reforçou o seu peso nos mercados da América Latina (sobretudo Brasil, mas também Argentina e Paraguai) e Angola. Os valores implícitos nesta troca foram objecto de análise pela CMVM, que acabou por dar a luz verde final à operação, recusando também as acusações que a Cimpor teria financiado a sua nova dona no âmbito desta operação. Adicionalmente, as suspeitas de concertação no preço também foram ultrapassadas.

Entretanto, as poucas acções da Cimpor continuam a negociar em bolsa, sem liquidez, com poucos accionistas e a valer em torno de 0,35 euros. Longe dos 5,50 euros que a Camargo Corrêa ofereceu na OPA negociada entre as Finanças, António Borges e os dois grupos brasileiros. 

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