A Itália é a Itália …

Vários responsáveis europeus têm deixado transparecer para a imprensa a ideia de que o Governo italiano irá resgatar a sua banca, à revelia das regras da União Bancária em vigor. Em particular, em relação a um dos maiores bancos de Itália, o banco mais antigo do mundo, Banca Monte dei Paschi di Siena (MPS), já há mais de um ano se discute a necessidade de uma recapitalização do banco. O Governo italiano não quer aplicar as regras do bail-in que resultariam em elevadas perdas para muitos pequenos investidores e tem conseguido habilmente adiar qualquer decisão.

O MPS teria cerca de 5 mil milhões de euros de dívida subordinada que poderia ser convertida em acções de acordo com as regras de bail-in. O primeiro ponto a salientar é que só se conhece o que transpareceu para a imprensa, nomeadamente na Reuters que cita fontes anónimas “próximas do assunto”.  A proposta do Governo italiano que transparece “entrelinhas” de um artigo da Reuters, de ontem (7/12), seria proteger “pequenos investidores” e aforradores, que se tornariam em “lesados do Monte dei Paschi”, se as regras actuais da União Bancária fossem aplicadas.

Para o fazer, o Governo iria adquirir os primeiros 100.000€ de obrigações subordinadas ao seu valor facial junto de investidores a retalho. Investidores institucionais com créditos subordinados veriam os seus créditos convertidos em acções. O Estado, ao proceder dessa forma, adquiriria cerca de 2 mil milhões de euros de obrigações que seriam convertidas em acções, na prática nacionalizando o banco e passando a deter uma posição acionista que se estima em 40%. Não é claro se, além disso, seria feita uma injecção de capital adicional.

Várias notas a retirar:

  • O Governo italiano seguiu o seu próprio caminho e recusou-se a ceder à Comissão Europeia e ao BCE... até ver;
  • A injecção de capital de 5 mil milhões de euros – num banco com cerca de 60% mais activos do que a CGD –  a ocorrer através da conversão de dívida subordinada, deixará o MPS com uma cobertura do crédito em risco de 61% (inferior aos 63% da CGD no final do primeiro semestre de 2016) e rácio de alavancagem de próximo de 4,5% (CGD 5,7%), i.e., muito menos capitalizado do que a CGD em Junho de 2016;
  • O Governo italiano não parece ter qualquer problema em nacionalizar um dos maiores bancos privados; e, não se fala em banco de transição que tem de ser vendido num espaço de dois anos com prejuízo para o erário público (atenção Novo Banco);
  • O Governo italiano parece querer fazer uma resolução bancária através de um decreto-lei que, na prática, contorna a resolução bancária da União Bancária. Ao que tudo parece sugerir, não haverá oficialmente uma resolução do banco através das instituições europeias, embora ocorra o bail-in das obrigações subordinadas. Pela informação conhecida será que o Governo italiano estará a considerar aplicar uma nova figura de “pré-resolução bancária” só com dívida subordinada, operada pelas autoridades italianas, em que o Mecanismo Único de Resolução não é tido nem achado? A confirmar-se, genial…
  • Em suma, várias regras da resolução da União Bancária parecem estar prestes a ser ignoradas ou contornadas, de forma inteligente, pela Itália. A União Bancária, que nasceu há tão pouco tempo, está “ligada à máquina” e não parece que sobreviva. Pena é que o sistema bancário português tenha, entretanto, de forma voluntarista, servido de cobaia a tão deficiente instrumento de política económica;
  • Vamos ver o que a Comissão Europeia diz. Mas, os sinais são de que a “Itália é a Itália”… E, aliás, a Itália não tem, nem terá, interlocutor nos próximos tempos para falar com a Comissão Europeia … Simplesmente brilhante … Avanti
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