A estratégia económica do Governo está a falhar? Quatro economistas respondem

Ricardo Paes Mamede, João Borges de Assunção, Augusto Mateus e Daniel Bessa dão a sua opinião sobre o que podem significar os resultados económicos obtidos na primeira metade do ano e de que forma se relacionam com a política seguida pelo Governo.

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Enric Vives-Rubio

Depois de apresentar um programa económico em que as medidas de reposição dos rendimentos concentraram quase todas as atenções, o Governo assistiu na primeira metade do ano a um crescimento económico que fica consideravelmente abaixo das suas projecções iniciais, com a procura interna a desacelerar no segundo trimestre.

Os responsáveis do Executivo assumem que os resultados ainda não são os pretendidos, mas garantem que há sinais de retoma, especialmente ao nível do emprego, e acreditam que a aceleração da execução dos fundos comunitários vai ajudar. A oposição, pelo contrário, defende que é a estratégia económica seguida pelo Governo que está a conduzir à estagnação da economia e ao afundar do investimento.

Três economistas, a pedido do PÚBLICO, dão aqui a sua opinião, respondendo à pergunta:

Os dados publicados pelo INE que dão conta de uma manutenção do ritmo de crescimento, com abrandamento da procura interna, significam que a estratégia seguida pelo Governo para a retoma económica está a falhar ou é demasiado cedo para se chegar a essa conclusão?

 

João Borges de Assunção, professor na Católica Lisbon

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Foto: Daniel Rocha

“Parece-me que ainda é cedo para tirar conclusões definitivas baseadas nos dados divulgados pelo INE. Quem considera que a estratégia é desadequada tem dados adicionais de suporte. Mas quem considera que a estratégia é a correta não vê sinais suficientemente fortes para concluir que está errada e atribui a quase estagnação a factores externos. E acha que os efeitos positivos na conjuntura da reposição de rendimentos e da redução do IVA da restauração ainda não tiveram tempo de se manifestar nos dados.

Ainda assim, o dado que me parece mais preocupante é a fragilidade do investimento (FBCF), que em termos reais está a cair em termos homólogos 3,1% e 0,1% em cadeia. Em termos nominais as quebras do investimento são ainda mais desfavoráveis. Com uma contracção homóloga de 3,8% e de 0,9% em cadeia. O risco de haver uma contracção real do investimento este ano é significativo. Parece-me que, em termos de gestão da conjuntura, a recuperação do investimento deveria ser a principal prioridade para além da continuação da consolidação orçamental e da estabilização do sistema financeiro".

 

Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE

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Foto: Enric Vives-Rubio

"A estratégia originalmente anunciada não corresponde à que foi implementada: o estímulo à procura interna ficou parcialmente comprometido em Fevereiro, como resultado das negociações com a Comissão em torno do OE2016. Ainda assim, o consumo foi a única componente da procura final que cresceu mais em Portugal do que na UE no primeiro trimestre, o que sugere que o efeito existe (vamos ver o que se passou em termos comparados no segundo trimestre).

Quem diz que a 'estratégia falhou' aponta também a fraca evolução das exportações líquidas e do investimento. Quanto às exportações líquidas, há três efeitos que têm de ser considerados na análise do primeiro semestre: 1) a queda das exportações para Angola (que ultrapassam o valor total da quebra das exportações; as exportações para a Europa aumentaram 4%); 2) a paragem da refinaria da Galp; e 3) a antecipação de compra de automóveis por questões fiscais. Os dois primeiros factores nada têm a ver com o “modelo” em causa. O terceiro deverá ser um efeito temporário, como sugerem os indicadores da ACAP sobre vendas mensais de automóveis.

Quanto ao investimento, o pior que se pode dizer é que a 'estratégia' deveria ir muito mais longe, pois parece que o investimento público está a ser contido para cumprir metas orçamentais (o que pode ser ultrapassado se o Portugal 2020 arrancar em força, com taxas de co-financiamento europeu elevadas)".

 

Augusto Mateus, ex-ministro da Economia

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Foto: Nuno Ferreira Santos

"Há duas grandes razões para que não consigamos ter um crescimento dependente da procura interna. O primeiro é a dimensão da economia portuguesa. Não é possível satisfazer os níveis de rendimento que são desejados com a dimensão que a economia portuguesa tem. A segunda razão é a dificuldade que existe em Portugal de compreender a crise de produtividade. É que não é uma crise de esforço ou de falta de vontade de trabalhar, nem sequer é uma crise só de eficiência. É uma crise da própria qualidade dos factores produtivos, como o laboral, e um problema de alocação de recursos. Temos recursos a mais em actividades que não crescem.

Por isso, para a economia portuguesa não se trata de pô-la a crescer tal como ela é. Tem de se fazer algo diferente. A prioridade deve ser garantir que o investimento que é feito tem como resultado uma mudança da especialização da economia e uma maior participação na globalização. O problema é que há um défice colossal de política económica. É preciso política económica, não pode ser apenas política financeira.

As medidas seguidas pelo Governo ao nível dos rendimentos são compreensíveis e têm um papel muito importante para garantir que o crescimento que surja seja para todos e não só para alguns. Mas esse é um segundo passo. E, fundamentalmente, não são um motor de crescimento, são medidas de coesão social".

 

Daniel Bessa, ex-ministro da Economia

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Foto: nFactos/Fernando Veludo

"Toda a gente sabe que, em períodos de muita procura, uma economia cresce mais. São exemplo os períodos de despesa pública incontrolada, nomeadamente em caso de guerra, acabando frequentemente em grandes desastres: períodos de inflação ou mesmo de hiperinflação. São também, por isso, exemplo de períodos que muito pouca gente gostará de repetir.

Mais recentemente, a tese de que é possível fazer crescer uma economia puxando pela despesa, pública e privada, fez o seu caminho durante a Grande Depressão dos anos trinta do século passado, de um e de outro lado do Atlântico (Inglaterra e Estados Unidos). A despesa, e os défices dela decorrentes, surgiram como um remédio extraordinário para tempos extraordinários, leia-se, economias em que o funcionamento económico normal se viu interrompido. É o vulgarmente chamado keynesianismo, por oposição às políticas também vulgarmente designadas de liberais.

A economia portuguesa não vive tempos extraordinários. Está estagnada desde o ano 2000, na sequência de um processo iniciado pelo menos cinco anos antes. Precisa de competitividade, para poder beneficiar de uma procura que, nos mercados externos, à nossa escala, se afigura como infinita – não nos falta procura, faltando-nos, isso sim, competitividade para poder satisfazer a procura existente. Precisa de investimento, para poder tornar-se competitiva. O consumo há-de vir por acréscimo, em resultado dos rendimentos gerados pela exportação, esperando-se que encontre uma economia suficientemente competitiva para poder satisfazê-lo – sem o que redundará em importações. Tentar, por via política, fazer crescer a economia puxando pelo consumo, privado e público, se a economia não for competitiva, redundará em importações, e a economia não crescerá. Foi o que aconteceu em Portugal, a partir de 2000: à medida que a economia crescia cada vez menos, foi-se-lhe injectando despesa, cada vez mais, sem outro resultado que não fosse um endividamento crescente, com o desfecho conhecido, no dia em que a torneira do crédito secou (e deveria ter fechado muito antes).

Precisamos de competitividade, não de despesa. Sabemos isso há muito. Tendo a obrigação de respeitar quem partilha outra crença (mais como fé e menos por “saber de experiência feito”), não poderei deixar de me interrogar por que razão não consegue “mudar de chip”, vendo que não resulta – como manifestamente não está a resultar, em Portugal, desde meados do ano passado (2015).

Texto actualizado no dia 3 de Setembro, com a resposta de Daniel Bessa

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