A culpa não é só dos cartões de crédito

Aumentou quer o número de portugueses em incumprimento por causa dos cartões de crédito e crédito pessoal, quer o número de irregularidades detectadas nas fiscalizações do BdP às entidades bancárias.

Os relatórios do Banco de Portugal (BdP) são um bom exemplo de algo de que precisamos amiúde: supervisão. O que nos diz o último relatório de supervisão comportamental, relativo a 2016, é apenas isto: aumentou quer o número de portugueses em incumprimento por causa dos cartões de crédito e crédito pessoal, quer o número de irregularidades detectadas nas fiscalizações do BdP às entidades bancárias. No primeiro caso, podemos ser tentados a pensar que o incumprimento tem a explicação plausível de termos entrado num processo de confiança consumista — e bem sabemos o que isso significa —, agora que a economia é bem diferente da penúria deprimente dos últimos anos.

No segundo caso, os bancos, ainda numa conjuntura generalizada de desconfiança, fecham dependências, aumentam comissões, ocultam informação e não respeitam as condições impostas pelo supervisor, como se tivessem mergulhado numa amnésia arrogante depois da sucessão de vários episódios tristes.

Mas há uma diferença substancial entre os dois incumprimentos. No âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, o PERSI, foram instaurados mais de 718 mil processos, que dizem respeito a mais de 523 mil contratos de crédito, mais 2,4% do que ano passado. Este processo permite renegociar os contratos, fasear dívidas e, à partida, atingir um desfecho mais ou menos consensual e decente. Graças a este PERSI, a banca pode reclamar o pagamento das dívidas dos seus clientes em dificuldades financeiras: qualquer coisa como 4,9 mil milhões de euros. A não ser que os juros elevados cobrados nos cartões de crédito aumentem as dificuldades de pagamento, exijam outras modalidades de financiamento, com as consequências previsíveis de uma espiral consumista que já nos é familiar...

Do outro lado do incumprimento, o BdP recebeu mais de 14 mil reclamações contra os bancos e emitiu mais de mil recomendações e determinações, três quartos das quais devido à comercialização do crédito aos consumidores. Neste capítulo, houve mesmo um aumento face ao ano anterior, que o supervisor atribui à sua própria prioridade nas acções inspectivas a questões como a prestação de informação contratual, regime de mora ou minutas de contratos. Ainda bem que foi essa a prioridade. É para isso que existe um supervisor. É muito fácil culpar os cartões de crédito e a forma desabrida como são usados.

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