O problema “endémico” da corrupção

Um problema “endémico” exige uma investigação multidisciplinar e complementar; uma investigação conjunta que esteja ao mesmo nível da sofisticação destas práticas, e que utilize todos os órgãos de polícia criminal.

Os casos mais recentes de eventual corrupção no topo do Estado ou do Governo são a prova de duas evidências. A primeira diz respeito ao facto de a corrupção não se circunscrever aos sectores da actividade económica e se ter vindo a alastrar aos mais variados serviços públicos, como reconhecia o director da PJ em Janeiro passado (algo que terá existido sempre, mas numa esfera mais subterrânea e de menor dimensão). A segunda, que decorre da primeira, é a assunção de que este é um problema “endémico do aparelho de Estado”, como diz a procuradora que produziu a acusação do processo dos vistos dourados, cujo julgamento começa esta segunda-feira.

A sucessão de casos, envolvendo ex-ministros ou directores-gerais de institutos públicos, cria a percepção de que não há nem uma “casta de puros”, como concluía a mesma procuradora, nem um clube de intocáveis, que está acima da lei. E ainda bem.

Mas há uma discrepância entre a percepção pública acerca da dimensão da corrupção, do abuso de poder ou administração danosa e branqueamento nas altas esfera do Estado e o número de condenações por crimes de corrupção. Como também existe uma grande distância entre a sua complexidade e os recursos e competências de investigação. A discrepância começa desde logo no facto de a PJ prender um suspeito de três em três dias, 119 pessoas de Janeiro a Novembro de 2016, face ao número de condenados. Por um lado, a PGR registou, nos últimos dois anos judiciais, 3360 inquéritos por crimes de corrupção e criminalidade conexa, 297 acusações deduzidas e 1673 inquéritos arquivados. O último relatório da Direcção-Geral de Políticas da Justiça, datado de Dezembro último, por outro lado, dá conta de uma descida do número de crimes registados desde 2007, bem como do número de condenados: 25 no ano de 2015.

Um problema “endémico” exige uma investigação multidisciplinar e complementar; uma investigação conjunta que esteja ao mesmo nível da sofisticação destas práticas, e que utilize todos os órgãos de polícia criminal. Mas a complementaridade raramente acontece, como se vê pela Operação Marquês, na qual Autoridade Tributária e PJ deveriam cooperar, mas da qual a segunda está ausente. Caso contrário, nem o Estado utiliza os meios de que dispõem nem se protege a si mesmo dos males da corrupção.

 

 

Sugerir correcção
Ler 2 comentários