Por uma hora, "profissionais da desordem" foram protagonistas no dia da CGTP

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O arremesso de pedras durante mais de uma hora levou à carga policial contra os manifestantes Miguel Manso

A mais violenta manifestação contra a austeridade terminou junto ao Parlamento com pelo menos sete detidos por desobediência às autoridades e 48 feridos, dos quais 21 são polícias

Odia 14 de Novembro era de greve geral, convocada pela CGTP, mas não será só por esse motivo que será recordado. Assim que a central sindical deu por terminado o protesto, as bandeiras vermelhas desapareceram do largo em frente à Assembleia da República (AR). Tal como em manifestações anteriores mantiveram-se, naquela zona, os movimentos Plataforma 15 de Outubro (15O), Sem Emprego (MSE), 12 de Março (M12M), Que Se Lixe a Troika, Cidadãos Pela Dignidade. Juntaram-se ainda um grupo de cerca de 50 estivadores, à volta de 300 estudantes do ensino superior e alguns maquinistas da CP. Havia ainda um grupo de cerca de 50 jovens anarquistas e também muitos cidadãos anónimos.

Os manifestantes gritavam palavras de ordem, como "sai da toca, Coelho! Sai da toca!", mas, mais tarde, o primeiro-ministro, Passos Passos Coelho, garantiu não ter ouvido os protestos. À falta de políticos à vista, o alvo do protesto passou a ser o corpo de intervenção que estava na linha da frente da escadaria do Parlamento. Os primeiros objectos a serem arremessados contra a polícia foram garrafas de vidro, mas cedo alguns manifestantes montaram uma autêntica linha de montagem: enquanto uns, agachados, retiravam as pedras da calçada, outros pegavam nestas e arremessavam-nas violentamente contra os escudos da PSP. Nem todos atiraram pedras, e houve até discussões entre manifestantes que apelavam a outros para agirem de forma pacífica, gritando "isso não leva a nada!".

A primeira pedra?

Não é fácil saber quem abriu as hostilidades entre os manifestantes e as forças policiais, mas ao longo de mais de uma hora de arremesso de objectos, sobretudo pedras, tornou-se mais claro quem os atirava.

Na manifestação de 15 de Outubro, na qual se registaram actos de violência junto à residência oficial do primeiro-ministro, José Pacheco Pereira disse ao PÚBLICO que estes incidentes estão por norma associados a "grupos radicais trotskistas e anarquistas" que actuam de uma forma organizada. Facto confirmado pelo PÚBLICO com a Unidade Especial de Polícia, que ontem à noite colocou de prevenção quase 300 agentes para fazerem frente a "pequenos grupos violentos" que poderiam "cultivar a violência pela cidade" durante a madrugada.

Ainda que alguns estivessem de cara tapada e outros de mãos nos bolsos, o PÚBLICO pode afirmar que alguns estivadores participaram na investida. Durante o dia, todos vestiram camisolas brancas, mas mais tarde cobriram-nas de forma a não serem identificados. Também sem o rosto descoberto, alguns jovens com símbolos anarquistas participaram de forma activa e ininterrupta na chuva de pedras atiradas contra a polícia.

O que os manifestantes não sabiam era que o protesto estava perto do fim. Nesta altura, cerca de 20 pessoas passaram da manifestação para o topo da escadaria. As roupas à civil deram lugar a coletes da polícia e gorros negros. Fonte policial fez saber ao PÚBLICO que estes eram polícias infiltrados que, decorando as caras dos manifestantes mais violentos enquanto estiveram junto destes, passaram a ter a missão de os deter.

Mais tarde, questionado sobre esta estratégia, o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, negou a existência de polícias infiltrados a incitar à violência e disse-se ofendido com a pergunta. E retratou os que, ontem, causaram distúrbios, como "profissionais da desordem".

O rebentamento de um petardo, mesmo em cima de um escudo da polícia, desencadeou a carga policial, por volta das 18h, que estava já a ser ponderada pelas autoridades, conforme avançou o comissário Jairo Campos. "Não havia outra hipótese perante extrema violência."

Em menos de cinco minutos, os polícias avançaram, sem olhar a meios, para esvaziar o largo em frente à Assembleia. Apanhados desprevenidos, muitos cidadãos tiveram de fugir de um cenário de violência com que não contavam e pelo qual nada fizeram. Entre estes, esteve um homem de 70 anos que foi derrubado e agredido durante cerca de dois minutos por membros da polícia.

Com o largo já deserto, os protestos deslocaram-se para as zonas à volta. Ao longo dos quase 800 metros da Avenida Dom Carlos I, alguns manifestantes bloquearam a estrada com cinco barreiras de contentores do lixo, que estavam cheios por não ter havido recolha na véspera.

"Eu nem sabia do protesto!"

À medida que a Avenida Dom Carlos I era esvaziada, a polícia entrou no largo Vitorino Nemésio, que dá lugar a um jardim. Quando a maior parte dos polícias chegou ao local, percebeu que havia um colega deitado no chão, sem se mexer. Nessa altura, João Pires, um sem-abrigo, que estava sentado num banco, foi surpreendido por "cinco ou seis polícias" que lhe gritaram "foste tu, nós sabemos que foste tu!" e que o agrediram. Mais tarde, João Pires disse ao PÚBLICO que "nem sabia que havia protesto hoje, não tenho nada a ver com isto, eu estava aqui nesta zona a arrumar uns carros para ganhar uns trocos, depois sentei-me para fumar um cigarro, mais nada".

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