Nos cadernos eleitorais estão "centenas de milhares" de emigrantes que dizem viver em Portugal e cem mil mortos

Foto
Um país de 10 milhões de habitantes e com 9,5 milhões de eleitores: algo está mal adriano miranda

O uso de possíveis "eleitores-fantasmas" é apenas um dos aspectos da fraude eleitoral. Algo que nasce da fragilidade do processo eleitoral e do papel legal das autoridades

É consensual. O recenseamento eleitoral está desactualizado e integra "centenas de milhares" de eleitores que possivelmente não deveriam estar nos cadernos eleitorais. Oficialmente, assume-se que esse número integra centenas de milhares de emigrantes e cem mil óbitos por "limpar". Mas quem leia o Diário da República apercebe-se de que o possível uso dos "eleitores-fantasmas" não é a única fragilidade do processo eleitoral.

A desactualização dos cadernos eleitorais não é um tema novo. Regularmente, os alertas são feitos, salientando os desfasamentos entre os números de eleitores e a população estimada pelo INE. Quando um país tem cerca de dez milhões de habitantes e 9,5 milhões de eleitores, algo parece mal. No Reino Unido, os eleitores representam 70 por cento da população, em França menos ainda.

Mais recentemente, os professores universitários Luís Humberto Teixeira e José António Bourdain, do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, estimam haver 775,8 mil "eleitores-fantasmas", dos quais um quinto só em Lisboa. A serem usados, deturpariam a representação no Parlamento, favorecendo a direita. Ontem, o Bloco de Esquerda estimou que o BE teria mais dois deputados, o CDS e o PSD menos um cada. Mas a versão oficial é menos explosiva. O director-geral da Administração Interna, Jorge Miguéis, um dos técnicos que mais tempo têm estado na administração eleitoral desde 1974, desdobrou-se ontem em conversas com jornalistas para explicar a sua versão. Primeiro, não é válida a comparação entre eleitores e habitantes residentes. "Portugal tem neste momento o melhor recenseamento eleitoral que alguma vez teve, o mais seguro e o mais certo que alguma vez teve". Desde 2008, as comissões recenseadoras deixaram de elaborar os cadernos eleitorais, passando a recebê-los através da Base Nacional de Eleitores, actualizada automaticamente com informação da identificação civil. Depois, Miguéis não arrisca um número, mas haverá "centenas de milhares de emigrantes que persistem em ter a sua identificação ligada ao território nacional", o que muito o orgulha. Mas haverá cem mil eleitores mortos que continuam na base nacional de eleitores.

Actualmente, os óbitos são comunicados pelas conservatórias, mas - afirma - podem manter-se de um recenseamento iniciado em 1974. "Só se pode apagar eleitores com mais de 105 anos", adianta. Como lembra Jorge Miguéis, ainda há poucos anos se "limpou" os cadernos de 600 mil óbitos que continuavam nos ficheiros da identificação civil e que só foi possível detectá-los com a ajuda das comissões recenseadoras.

Mas a importância dos "eleitores-fantasmas" está em poder haver quem vote por eles, o que, segundo a lei, é crime de fraude eleitoral. Ora, lendo no Diário da República as queixas feitas por cidadãos, é possível detectar factos bem reais. Uma queixa anónima refere que foram "descarregados nos cadernos eleitorais votos de pessoas já falecidas". Mas noutras vai-se mais longe: votos estranhamente anulados, corte de eleitores, discrepâncias entre votos apurados e registados nas actas das secções de voto, discrepâncias entre eleitores votantes e votos apurados, actas rasuradas ou por assinar, mexidas nos cadernos eleitorais, resultados apurados sem ser na presença de delegados, envelopes que deveriam ter as actas de resultados e que foram apanhados vazios e sem qualquer guarda, boletins de voto extraviados.

Sugerir correcção