Mortalidade associada ao consumo de cocaína está a aumentar na Europa
Morrem cerca de mil pessoas por ano na UE devido ao uso de cocaína. Um número que cresce, provavelmente devido ao uso de substâncias que a adulteram
O número de mortes causadas pelo consumo de cocaína tem vindo a crescer nos últimos anos na União Europeia (UE). É no Reino Unido que a mortalidade associada à utilização deste estupefaciente mais tem crescido, ao ponto de ter duplicado no intervalo de cinco anos (161 casos notificados em 2003 e 325 situações confirmadas em 2008). No total, morrem cerca de mil pessoas todos os anos devido à utilização daquela droga. Cerca de 70 mil pessoas iniciaram tratamento, em 2008, devido ao consumo de cocaína nos 27 países da UE, o que quer dizer que estes consumidores constituem já 17 por cento dos novos utentes dos programas. A cocaína é a segunda droga mais consumida na Europa, estando a sua utilização mais concentrada nos países do Ocidente e Sul do continente.
A actual oferta de cocaína na Europa pode oferecer uma explicação plausível para estes dados. A esmagadora maioria de cocaína disponível em solo europeu é adulterada, devido aos chamados "agentes de corte", de modo a aumentar o seu valor de mercado. O relatório anual do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT), apresentado ontem em Lisboa, onde se situa a sede desta agência, dá vários exemplos de quais são os agentes de corte que podem ser empregues: dos açúcares ou amido até à fenacetina ou à cafeína...
Mas a substância mais detectada e a que mais prejuízos pode causar à saúde dos consumidores é o levamisol - um anti-helmíntico para as lombrigas. Aquela substância tem sido utilizada como agente antiparasitário na medicina veterinária e anteriormente tinha sido igualmente empregue como imunoestimulante na medicina humana. O observatório nota que 70 por cento da cocaína analisada nos EUA, em Julho de 2009, tinha sido acrescentada com aquela substância e nota que uma percentagem muito significativa da droga apreendida e analisada na UE continha levamisol. Estes tipos de químicos são adicionados à cocaína, ou a outras drogas em pó, de forma a aumentar o seu valor de compra e os seus consequentes lucros.
Wolfgang Götz, director do observatório, chama a atenção para o facto de muitos europeus ainda considerarem que o consumo de cocaína é um hábito inócuo, associado a um determinado estilo de vida urbano e sofisticado. "Estamos a constatar progressivamente que, à medida que o consumo de cocaína aumenta, o mesmo acontece com o seu impacte na saúde pública", afirma Götz. O consumo desta droga, acrescenta, "não só pode progredir rapidamente, como também pode causar vítimas mortais, mesmo quando consumida ocasionalmente e em pequenas doses". Paul Griffthis, especialista do OEDT, realça que o consumo de cocaína adulterada pode causar efeitos nefastos em quem tem problemas cardiovasculares e em situações de policonsumo de várias substâncias psicoactivas.
A estatística disponível refere que o número de adultos que na Europa já experimentou cocaína, pelo menos uma vez na vida, ronda os 14 milhões e calcula que o número de utilizadores no último ano se aproxime dos quatro milhões. Dinamarca, Irlanda, Espanha, Itália e, particularmente, Reino Unido são os países onde o seu consumo é mais elevado. Refira-se que, segundo o jornal espanhol El País, a nova ministra da Saúde anunciou na semana passada que o consumo de cocaína em Espanha desceu pela primeira vez em 15 anos. Os dados resultam de um inquérito ao domicílio realizado entre 2008 e 2009.
Tráfico sofisticado
Espanha tem sido a porta principal desta droga na Europa, cujo tráfico se tem vindo a sofisticar. A sua introdução no continente tem sido feita através da incorporação de cocaína-base ou de hidrocloreto em materiais "de transporte", como a cera de abelhas, vestuário ou adubos, ervas e líquidos, para posterior extracção em laboratórios clandestinos já em solo europeu. O que afirma o relatório é que a sofisticação do tráfico pode "variar desde o simples embebimento de roupas numa solução de cocaína e água, à incorporação da droga em plástico". Segundo dados coligidos pelo Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, cerca de 30 desses laboratórios foram desmantelados em Espanha.De acordo com Paul Griffiths, existem actualmente três rotas principais de tráfico de cocaína. A saber: a proveniente da Colômbia e que passa pelos Açores; a que é oriunda do Brasil e que faz escala em Cabo Verde e, por fim, a da Venezuela, que atravessa o Norte de África e que se destina à Península Ibérica.
Estima-se que o número de apreensões de cocaína em 2008 tenha ultrapassado as 96 mil. Embora este seja um número que é considerado reduzido, o certo é que o número de apreensões duplicou em alguns países da Europa Central e Oriental. Os cálculos apontam para que um total de 14 milhões de europeus tenham experimentado cocaína, pelo menos uma vez, dos quais oito milhões têm entre os 15 e os 34 anos.