Taiti, uma viagem de família até ao Brasil

Oito dias, três jogos, 24 golos sofridos e um marcado. Foi o que aconteceu à selecção polinésia na Taça das Confederações em 2013.

Jogadores do Taiti após terem marcado um golo na Taça das Confederações
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Jogadores do Taiti após terem marcado um golo na Taça das Confederações Ricardo Moraes/Reuters
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Jogadores do Taiti agradecem o apoio do público brasileiro na Taça das Confederações de 2013 Ivan Alvarado/Reuters
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Treino dos jogadores do Taiti Ivan Alvarado/Reuters
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Adeptos do Taiti com a bandeira do seu país junto dos jogadores na Taça das Confederações de 2013 Pilar Olivares/Reuters
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Jogadores do Taiti com adeptos após um treino Stringer/Reuters

Há muitos casos de duplas de irmãos que jogaram ao mesmo tempo numa selecção – os holandeses De Boer – ou que jogaram em alturas diferentes – os brasileiros Sócrates e Raí - ou até em selecções diferentes – os Shaka, um suíço e o outro albanês, ou os Boateng, um alemão e o outro ganês. Será caso raríssimo (não único) em que uma selecção tem nada menos que três irmãos. Um caso é o dos Ayew (Jordan, Andre e Ibrahim, filhos de Abedí Pelé e sobrinhos de Ayew Kwame, todos internacionais pelo Gana, sendo que nunca jogaram os três ao mesmo tempo). O outro caso é do Pacífico. São quatro homens da mesma família a jogarem pela mesma selecção, três irmãos e um primo, todos com o mesmo apelido e todos com uma história comum para contar, aquela vez em que o Taiti foi à Taça das Confederações, foi goleado por toda a gente, mas marcou um golo.

Em 2013, o Taiti, selecção a representar uma ilha de 180 mil habitantes em que 11 mil jogam futebol, foi a presença inesperada na Taça das Confederações, mas estava lá por direito próprio, por ter sido o campeão da Oceânia em 2012, a primeira e única vez em que o vencedor não foi a Nova Zelândia (cinco títulos) ou a Austrália (quatro, sendo que os australianos se juntaram à confederação asiática em 2006) – a selecção de futebol de praia é bem mais cotada, tendo sido finalista vencida frente a Portugal no Mundial de 2015 e frente ao Brasil no Mundial de 2017.

Na Taça das Nações Oceânicas, o Taiti portou-se como um gigante goleador frente a Samoa (10-1, nove dos golos com o mesmo apelido, mas já lá vamos), Nova Caledónia (4-3) e Vanuatu (4-1). Como ganhou o grupo, evitou o cruzamento com a Nova Zelândia, primeiro do outro agrupamento e o grande favorito. Eliminou as Ilhas Salomão (1-0), enquanto a surpresa aconteceu na outra meia-final, em que os neozelandeses perderam incrivelmente com a Nova Caledónia. E assim, na final em Guadalcanal (Ilhas Salomão), o Taiti repetiu a vitória da fase de grupos, conquistando o título e a presença no torneio brasileiro ao lado dos outros campeões continentais.

O destino deste grupo de polinésios amadores – que era uma espécie de “geração de ouro”, com base na selecção que participara no Mundial sub-20 em 2009 - não iria fugir ao que geralmente acontece quando se têm de confrontar com profissionais que são os melhores do mundo. Não seria de esperar outra coisa que não grandes goleadas frente a Nigéria (campeão africano), Uruguai (campeão sul-americano) e Espanha (campeão europeu e mundial). Afinal, o seu treinador, Eddy Etaeta, era um professor de liceu, e, com a excepção de um jogador, toda a selecção era composta por amadores. Imaginem os jamaicanos no bobsleigh olímpico de Calgary em 1988 ou os portugueses no Mundial de râguebi em 2007. Foi mais ou menos o que aconteceu ao Taiti na Taça das Confederações.

No Mineirão de Belo Horizonte, os amadores taitianos aguentaram cinco minutos frente à Nigéria e sofreram o primeiro golo da maneira mais cruel, um autogolo. Mais cinco minutos, 2-0, aos 26’ 3-0, resultado ao intervalo. Aos 54’, o grande momento de glória do Taiti, um canto do seu lado esquerdo do ataque e, qual predador de área, Jonathan Tehau, um defesa/condutor de um camião de entregas, surgiu ao segundo poste e marcou o golo dos polinésios, que seria o único em toda a competição. O jogo acabaria 6-1 para os nigerianos, mas a melhor história de um jogo sem história foi o golo de Tehau, o mais velho dos três irmãos – a celebrar com ele, estiveram os gémeos Lorenzo e Alvin, mais o primo Teaonui.

Todos participaram na celebração colectiva deste golo e o momento teve o destino que celebrações originais têm nos tempos modernos – tornou-se viral. Depois de a bola entrar na baliza de Enyeama, os jogadores juntaram-se e fingiram que estavam algures no Pacífico a remar numa canoa.

Depois, os taitianos estiveram no mais mítico dos estádios (o Maracanã) para defrontarem uma das melhores equipas da história do futebol, a Espanha. Também só duraram cinco minutos, até Fernando Torres marcar o primeiro dos seus quatro golos.

A “roja” não permitiu qualquer alegria aos polinésios e ganhou por 10-0, a maior diferença algumas vez registada num torneio organizado pela FIFA. Depois, no Arena Pernambuco, a resistência do Taiti foi até aos dois minutos, quando o Uruguai marcou o primeiro de oito golos sem resposta. Mas frente aos sul-americanos, o Taiti teve um herói na baliza, Gilbert Meriel, guarda-redes/contabilista, que, na sua primeira internacionalização e quando já estava 4-0, defendeu um penálti. Mais um toque de dignidade para uma selecção que não queria ser uma anedota.

Vicente del Bosque, então o seleccionador espanhol e “gentleman” como poucos no futebol mundial, disse tudo após as duas mãos cheias de golos da Espanha ao Taiti, actualmente 151.º no ranking FIFA e segundo da Oceânia, atrás na Nova Zelândia (95.º): “O Taiti foi um exemplo de fair play e foi para a frente quando tinha oportunidade para isso. Não marcámos mais porque eles não deixaram. Este jogo não causou dano ao futebol. Até o tornou mais forte.”

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