Slimani: flagrante delito ou processo de averiguações?

1. Fique descansado o senhor presidente da Assembleia da República e muitos mais que nas linhas que se seguem voltarei a uma das questões fundamentais do desporto nacional (?), mas nada tem a ver com eles. O título, e o que adianto, prendem-se com a necessidade de responder a amável missiva de leitor, que me chegou a 17 de Março. É a intenção de tentar esclarecer, na medida das minhas capacidades, esse leitor, que retorno a Slimani. Em bom rigor, pois, a culpa é dele (do leitor) e não minha.

2. Na sua carta, o leitor desabafa e pede. O desabafo (também meu e, estou certo, de muitos): lamenta o facto de, ao longo deste processo ter assistido à maior impreparação por parte de algumas pessoas de quem esperava mais (jornalistas, comentadores desportivos e outros – alguns deles juristas). E remata: “Nos dias que correm, em que a informação está à distância de um clique, tais gaffes revelam impreparação e pouco respeito pelos consumidores de informação”.

3. Essa situação despertou no leitor a necessidade de conhecer o caso. Daí uma viagem ao sítio da Federação Portuguesa de Futebol e o acesso a toda a regulamentação. Localizou os dois regulamentos disciplinares – FPF e LPFP – e apercebeu-se de diferentes formas de processo disciplinar. E viu que no texto da LPFP existe um processo sumaríssimo, o mesmo não ocorrendo no da FPF, caindo por terra, no seu entender, a afirmação de um “comentador residente” que terá adiantado que o processo instaurado ao atleta Slimani era “uma espécie de processo sumaríssimo”.

4. E que pede o leitor? Parte de um facto que tem por certo: a participação disciplinar apresentada pelo Benfica, terá sido feita invocando “a forma de processo sumário por auto por infracção em flagrante delito”. Ora, reflectindo, sobre regulamentos e formas de processo, questiona o leitor, afinal: o que é isto de um auto com infracção verificada em flagrante delito? Como se operacionaliza, face à participação de um clube que o invoque?

Tentemos corresponder às expectativas do leitor, desde já adiantando que ao caso, por força do contrato celebrado entre a FPF e a LPFP, são aplicáveis as normas processuais do RD da FPF.

5. O processo sumário é aplicável quando, estiverem em causa infracções disciplinares leves ou, em qualquer caso, infracções disciplinares sancionáveis com sanção disciplinar não superior a um mês de suspensão ou que no caso concreto não é aplicada sanção superior a um mês de suspensão. A decisão disciplinar neste tipo de processos é sustentada em relatórios da equipa de arbitragem, dos elementos das forças de segurança públicas ou dos delegados da FPF, por auto com infracção verificada em flagrante delito, ou declaração do arguido.

Ora, segundo o artigo 236.º, n.º 2, o processo sumário sustentado em auto por infracção por flagrante delito é elaborado por instrutor nomeado para o efeito, e baseia-se na transcrição de factos percepcionados directamente, ainda que através da visualização de imagens televisivas que demonstrem e comprovem inequivocamente, os factos que consubstanciam a infracção, bem como os seus autores.

Assim, por exemplo, pode haver uma denúncia de clube com base em imagens televisivas.

6. O que ocorreu no caso em apreço é que perante a queixa disciplinar do Benfica, a que se veio adicionar a do Sporting, o Conselho Disciplinar sentiu a necessidade de abrir um processo de averiguações, destinado a apurar a existência das circunstâncias e da autoria de infracção disciplinar. Isto é, em breve, nunca chegou a ter lugar um processo sumário. E, no final desse processo de investigações, no caso do atleta "leonino" chegou-se, isso sim, a um processo disciplinar (comum).

7. Espero ter ajudado. josemeirim@gmail.com

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