Selecção da devastada Síria pode ainda apurar-se para o Mundial

Pela frente estão obstáculos quase intransponíveis. O que ficou para trás, como o empate com o Irão, já é incrível.

Em Damasco, não faltaram os ecrãs gigantes e as bandeiras de apoio a Assad
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Em Damasco, não faltaram os ecrãs gigantes e as bandeiras de apoio a Assad Youssef Badawi/EPA
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No contexto do estranho mundo da guerra síria, onde todas as potências participam, cada uma com a sua agenda, poucas partidas de futebol poderiam ser mais irónicas do que a que deu à selecção da Síria a possibilidade de continuar a acreditar numa presença no Mundial da Rússia. Aconteceu em Teerão, quando, aos 93', o avançado Omar al-Somah marcou o golo do 2-2.

A possibilidade de qualificação para uma equipa que está há anos no exílio, uma selecção que nunca tinha passado da primeira ronda em cinco participações na Copa da Ásia, já é extraordinária. Incrível é também ter mantido esse sonho numa partida contra a selecção do Irão, o principal aliado de Bashar al-Assad. Não esquecendo, claro, que em causa está uma viagem até à Rússia, o outro aliado de Damasco e o principal responsável por Assad se manter no poder e estar a ganhar a guerra.

Tendo o Irão já garantido a qualificação não faltaram rumores que os iranianos iriam facilitar a vida aos sírios – vitórias no futebol são fáceis de aproveitar como arma de propaganda e o momento não podia ser mais propício para Assad. “A acusação de conspiração com a Síria é suja e cobarde”, afirmou na véspera do jogo um irritado Carlos Queiroz, o português que desde 2011 orienta os iranianos.

Assad não teve tudo o que quis, com a FIFA a recusar jogos em Damasco (em vez disso, a “casa” síria foi Omã e depois a Malásia), o que o ajudaria a promover a imagem de normalidade que tanto tenta fazer passar. Mas conseguiu que a selecção nunca deixasse de jogar (assim como a liga nacional continua a decorrer), com jogadores vetados por si. Não é pouco, num país em guerra desde 2011, de onde já fugiram 6 milhões de pessoas e pelo menos 400 mil foram mortas.

Apesar de a equipa ser essencialmente formada por apoiantes do regime, pelo menos um dos jogadores, o atacante Firas al-Khatib (com 51 presenças na selecção até 2011), assumiu-se como opositor no início da revolta e começou por recusar integrar a equipa. Acabou por aceitar voltar a vestir a camisola do país já este ano. Pela mesma altura regressava o autor do golo do empate contra o Irão, que representa o Al-Ahli saudita, hesitante ao longo destes seis anos por temer que jogar fosse lido como sinal de apoio a Assad.

O que aconteceu esta terça-feira foi o impensável. O que se segue parece mais do domínio do impossível (ainda que isso não exista no futebol): a Síria vai agora disputar um play-off com a Austrália; se passar, enfrentará ainda o quarto classificado da Concacaf (a associação de futebol que inclui a América do Norte e Central mais as Caraíbas). Moscovo só pode chegar a seguir.

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