Sargentão morto (s)em combate

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Luís Felipe Scolari, mais conhecido como “O Sete-a-Um” no Brasil e “E o Burro Sou Eu?” em Portugal, foi um treinador de futebol de enorme fama e descrédito em todo o mundo, conhecido por ter posto os defesas da selecção brasileira a atacar os alemães como se não houvesse amanhã, e de facto não houve, mais uma vez o esperto Sargentão estava certo. 

Por culpa de outro dos seus pseudónimos — ele é também “Gene Hackman”, o actor —, convenceu-se de que a meia-final da Copa Brasil 2014 eram filmagens para um remake da Carga da Brigada Ligeira, com David Luís e os companheiros a cavalgarem e ei-los que para o Vale da Morte vão! Ou uma película sobre os últimos 90 minutos (sem prolongamento) de vida dos heróicos cossacos que, de sabre em punho, se atiravam contra atónitos alemães, calminhos nas trincheiras, acabando de olear as metralhadoras e depois, natürlich... vamos a isto, que já passaram dez minutos.
[E nós, hã? Nós portugueses nem sequer durámos seis minutos, foi como La Lys e Verdun há 100 anos, e logo a abrir o Campeonato do Mundo, essa é que é essa!

Ah sim?, mas a carnificina do corpo expedicionário português foi mais lenta e 4-0 é mais apresentável, apesar de tudo.]
Scolari, que conhece Portugal como ninguém, incluindo sítios arrepiantes como a Federação Portuguesa de Futebol, e é profundo conhecedor da nossa população de burros, poderá um dia explicar o que se passou na cabecinha das duas selecções nacionais que dirigiu. Mas toda a gente espera que o faça antes de voar para o Kuwait, onde já trabalhou, e para onde, em Fevereiro deste ano, jurava que fugiria se o Brasil não ganhasse o Campeonato Mundial na sua própria casa. 

Nascido a 9 de Novembro de 1948 em Passe Furado... perdão, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, é conhecido como o grande motivador, o homem que põe a força do espírito sobre tudo. E de incentivar a vontade de, por assim dizer, esganar a relva, de morder o adversário, muito acima da táctica e da estratégia, conceitos que aliás lhe fazem comichão, porque jogar com planeamento e treinos a sério dá mais trabalho. 

O que ele adora é ter alguém contra quem lutar, como os jogadores excelentes que têm personalidade: o brasileiro Romário (hoje deputado federal e que chama “corrupta” à federação brasileira) e o português Vítor Baía, afastados das fases finais só para Scolari mostrar quem é que mandava. Outra característica é perder a cabeça contra jornalistas que façam perguntas banais como “não acha que jogámos mal?” ou se Scolari não achava estranho que Portugal se apurasse para o Euro 2008 sem ganhar um jogo a qualquer adversário directo. O que deu origem à frase que poderá ficar gravada no seu epitáfio. Depois do “Mineiraço”, pode ser lida com resposta incluída:
— E o burro sou eu? E o ruim sou eu? E o péssimo treinador sou eu?
Homem, responde-te que a gente não sabe. 

Scolari tem um adversário à sua altura: o inimigo/bode expiatório do extraordinário fracasso do Estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, é ele próprio. Scolari pode revoltar-se e gritar contra Luís Felipe, e Luís Felipe contra Scolari, estão bem um para o outro. 

Mas calma: Felipão pede desculpa ao povo, mas não se arrepende de nenhuma opção nem de alguma táctica. Ele fez tudo bem... só não resultou. Este senhor de bigode, uma vez que já foi seleccionador de Portugal e grande patriota (as bandeirinhas à janela, que saudades), devia ser contratado pelo Governo de Passos Coelho para chegarmos vivos aos quartos-de-final do Programa de Ajustamento. Quando as maturidades da dívida começarem a cair-nos em cima como granadas alemãs. Começamos logo com sete a zero, mas, no último minuto, alguém marca para ficar sete a um, que é mais sonoro. Além do mais, Scolari tem armas inesperadas que sabe utilizar (um murro num jogador sérvio, em 2007, em directo na TV, por exemplo) e que serão úteis se a troika pretender voltar. Este homem só vai querer defender “os meus meninos”, como sempre.

O empresário FIFA (de Neymar Jr., entre outros) Wagner Ribeiro fez, a propósito, a lista das qualidades necessárias para se ser seleccionador brasileiro, como: “Ser velho babaca, arrogante, asqueroso, prepotente e ridículo.” Uma barreira de “qualidades” mais compacta do que a defesa do Brasil naquela tarde trágica de terça-feira.

Scolari trabalhou muito para conseguir a imortalidade. Conseguiu ser campeão do Mundo com o Brasil, em 2002. Levou Portugal à final do Euro 2004 e às meias-finais do Mundial de 2006. Mas nada ultrapassará a proeza de ter conseguido limpar para sempre o trauma nacional do “Maracanaço”, quando o Brasil perdeu a final com Uruguai no Rio de Janeiro, em 1950. O 2-1 acaba de ser arredado para a lista dos factos irrelevantes da história, se comparado com o “vexame”, a vergonha, o impensável descalabro dos 7-1. 

Quando Dilma Rousseff cair em si e der dinheiro para novos hospitais e escolas, num país em que a saúde e a educação são para ricos, e que gastou milhares de milhões por um objectivo sete vezes furado, já sabe por onde começar: a Nova Ala Psiquiátrica Felipão Scolari e uma faculdade inteira para a cátedra Sete Erros Futebolísticos Que Mudaram a Brasil... para Melhor ou para Pior. Só falta saber isso.

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