Real Madrid, uma máquina de gerar dinheiro e títulos alimentada por “valores”

O 12.º troféu europeu dos "merengues" é fruto de uma política de investimento que traduz mais do que mero despesismo. É a resposta aos anseios dos sócios e, por arrasto, a solução para os sobressaltos financeiros.

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Reuters/PAUL HANNA

Há duas razões substanciais que concorrem para que o Real Madrid seja um assunto eterno, quando ganha e quando perde. Uma é a dimensão planetária do clube, que parte da capital espanhola para se espalhar pelo mundo, e a outra o orçamento estratosférico (e as contratações milionárias) que apresenta todos os anos. Mais do que um tique de novo-riquismo, com Florentino Pérez ao leme esta tornou-se uma filosofia de gestão. A ideia é clara: ir ao encontro dos desejos dos sócios, fazer-lhes a vontade na medida do possível, na certeza de que retribuirão em dobro o investimento inicial.

Durante os anos de afirmação plena do Barcelona, vencedor sem contestação dentro e fora de portas, foram muitas as vozes que se levantaram com a direcção do Real Madrid e, em particular, contra a sua política de transferências, agressiva e sem olhar a poupanças. Já tinha sido assim no primeiro capítulo da presidência de Florentino Pérez (2000-06), com o início da era dos “galácticos”, e assim continuou com o regresso do empresário em 2009, ano em que investiu 258 milhões em compras, de Kaká a Benzema, passando por Xabi Alonso e, claro, por Cristiano Ronaldo. Pelo meio, os “merengues” foram conquistando troféus, mas não com a cadência ou o brilho que a qualidade da matéria-prima fazia adivinhar.

Sonhava-se, essencialmente, com La Decima nessa altura. A 10.ª conquista da Europa, por via da Liga dos Campeões. E para esse desígnio moviam-se mundos e fundos, no que corria o risco de ser interpretado como um ataque desenfreado a um título que deixava dúvidas sobre a boa gestão (desportiva e financeira) do dia-a-dia do clube.

A investigação de Steven Mandis ajuda a enquadrar esta política de condução dos destinos dos “merengues”. O autor do livro The Real Madrid Way empreendeu uma viagem aos bastidores do clube e debruçou-se sobre a sua cultura, as práticas negociais, a política financeira e a personalidade dos decisores. E concluiu que na base daquilo a que chama de “modelo económico desportivo” estão os madridistas, os sócios. São eles que, desde a fundação do emblema, em 1902, têm ditado as regras internas. E é para eles que a direcção tem governado.

“As pessoas não se apercebem de quão interligado tudo isto está. Eles construíram um modelo sustentável e isso é muito importante, porque ao contrário do Chelsea ou do Manchester City, não há ninguém para cobrir os prejuízos se perderem dinheiro”, contextualiza o investigador, que trabalhou no Goldman Sachs de 1992 a 2004.

Visto como uma máquina de gerar dinheiro, o Real Madrid teve de superar uma fase delicada na década 1990, altura em que a falência pairou no ar. E foi necessário apurar a estratégia, até porque já se provou que a conquista de títulos, por si só, não produz automaticamente bons resultados financeiros — a prova disso é que, apesar de dois troféus da Champions, alcançados em 1998 e 2000, o clube enfrentou sérias dificuldades nessa altura. Faltava cativar verdadeiramente os adeptos, que nesse período praticamente só enchiam o Santiago Bernabéu para assistir ao clássico com o Barcelona.

É neste ponto que Steven Mandis introduz a palavra “valores”, enquanto espaço comum e terreno fértil para o crescimento. “O génio de Florentino foi reconhecer que, enquanto produto de consumo, o futebol tinha de estar próximo dos valores dos adeptos, para que se produzam a paixão e a lealdade necessárias para comprarem equipamentos, para poder mostrar aos patrocinadores que os madridistas são fiéis. É isso que está na base da aquisição de jogadores que têm condição de estrelas”, acrescenta, citado pelo jornal inglês City A.M.

Na última década, as receitas anuais do Real Madrid passaram de cerca de 200 milhões de euros para mais de 650 milhões. E entre 2000 e 2015 o EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) saltou de 30 milhões negativos para 203 milhões positivos. O 12.º título europeu (em 15 finais), conquistado em Cardiff, contribuirá para esta tendência de crescimento, desde que alicerçado nos mais de 97 mil sócios do clube e nos milhões de adeptos que rasgam as fronteiras europeias.

“Os jogadores escolhidos, o estilo de jogo, tudo está interligado”, insiste Mandis. E ontem, à medida que o autocarro com o plantel desfilava pelas ruas de Madrid, para partilhar a taça com os fãs, percebeu-se que esse elo estará mais forte do que nunca. 

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