Nos Jogos Olímpicos, com um só olho

A história de superação do jogador de andebol Karol Bielecki, que, em 2010, ficou cego de um olho.

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Karol Bielecki em acção com a protecção nos olhos MARKO DJURICA/Reuters

Imagine que lhe dão uma bola de andebol, o encostam à ponta esquerda do ataque da sua selecção e lhe pedem para marcar um golo nos Jogos Olímpicos. É uma missão árdua para o cidadão comum. Imagine agora que lhe pedem o mesmo, mas com um olho tapado. Missão homérica para muitos, mas ao alcance de Karol Bielecki. O jogador polaco de andebol faz isto. E faz, com um olho, coisas que a maioria dos jogadores não faz com dois.

Karol Bielecki, nascido na cidade de Sandomierz, no sudeste da Polónia, tem uma história de vida notável e é um exemplo de determinação, perseverança e paixão pelo desporto.

A 11 de Junho de 2010, num jogo amigável frente à Croácia, o jogador croata Josep Valcic, após um choque involuntário, introduziu o seu dedo polegar dentro do olho esquerdo de Karol Bielecki. Após duas cirurgias, as lesões no globo ocular e na retina tornaram quase certo o fim da carreira do jogador polaco, então com 28 anos. Bielecki era considerado um dos melhores jogadores do mundo, juntando altura (2,02m) e peso (mais de 100kg) a uma agilidade fora do comum. Partindo do flanco esquerdo, o “missile man” gostava de usar a sua mão direita – e o olho direito, já agora – para disparar autênticos mísseis para as balizas adversárias.

Com um só olho, mudam as distâncias, as perspectivas e as velocidades. No entanto, no meio de tanto azar, Bielecki beneficiou de um factor positivo. “No andebol, a movimentação e a troca de passes são quase automáticas, não mudam. Tudo sai naturalmente. A falta de visão não atrapalha e ainda tenho muitos golos pela frente", explicou o azarado jogador polaco, que acrescentou: “Tenho uma hipótese. Será o grande desafio da minha carreira”. Ficou claro que o jogador polaco pretendia voltar à competição, ainda que claramente diminuído a nível físico e, sobretudo, de visão.

Um ano depois do incidente, Bielecki voltou à competição. O jogador polaco fez 11 golos no primeiro jogo oficial depois da lesão e mostrou que, apesar da lesão, continuava a fazer coisas ao alcance de poucos. Sempre inseparável dos seus óculos especiais, o polaco regressou à alta competição, fazendo lembrar futebolistas históricos como o holandês Edgar Davids – que usava uns óculos, que se tornaram míticos, para contornar o glaucoma que lhe afecta a visão – ou o alemão Wilfried Hannes, que só via de um olho desde a infância, mas que se sagrou vice-campeão do mundo, com a sua selecção, no Mundial de 1982, em Espanha.

Apesar do regresso auspicioso, após a lesão, a carreira de Bielecki atravessou um período difícil. Depois dos 70 golos na Liga dos Campeões 2009-10, fez apenas 19, na época seguinte, a primeira temporada completa depois da lesão. O jogador regressou ao seu país, para jogar no Vive Targi Kielce, clube da cidade de Kielece, a poucos quilómetros da sua cidade-natal. Na Arena Hala Legionów, Bielecki não começou bem – chegou a ser criticado pelos adeptos –, mas acabou por recuperar o bom nível, voltou à selecção polaca e “puxou dos galões”: "Eu jogo andebol há 15 anos. Não me esqueci".

Com a selecção polaca, Bielecki esteve no Mundial 2015, no Qatar, e deu um bom contributo, embora ofuscado pelos irmãos Jurecki: Michal e, sobretudo, Bartosz. Ao serviço da equipa nacional da Polónia, o jogador polaco conta já com mais de 240 jogos e quase 900 golos.

Em 2016, na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, Bielecki foi o primeiro polaco a pisar a pista do Maracanã. O jogador da selecção de andebol foi o porta-estandarte da armada de Varsóvia, numa homenagem que premiou o percurso singular do polaco.

Mas o sucesso não ficou por aqui. No fim da terceira jornada da fase de grupos da competição de andebol, Karol Bielecki é o melhor marcador da prova, com 21 golos, superando o duo de estrelas do PSG: o francês Luc Abalo (17) e o dinamarquês Mikkel Hansen (15). Bielecki jogou pouco na primeira partida, mas sete golos (em nove remates) em pouco mais de sete minutos fizeram o treinador polaco apostar em Bielecki nos jogos seguintes. Texto editado por Jorge Miguel Matias

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