Os suíços que foram de férias a Matosinhos e outras reviravoltas

O Leixões iniciou, em 1961, a "moda" de recuperar de desvantagens de quatro golos em competições europeias. Aqui ficam dos alguns exemplos mais notáveis.

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Jorge Andrade este nessa eliminatória histórica para o Deportivo frente ao AC Milan Miguel Vidal/Reuters
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Madridista desde sempre, Morientes marcou ao seu Real pelo Mónaco e festejou Jean Paul Pelissier/Reuters

La Chaux-de-Fonds é uma vila suíça de 38 mil habitantes, no cantão de Neuchatel e perto da fronteira com a França, onde nasceu Le Corbusier, um dos mais importantes arquitectos do século XX, e Louis Chevrolet, o fundador do construtor automóvel que levou o seu nome. Também é a terra do Football Club La Chaux-de-Fonds, que navega actualmente pela III Divisão do futebol suíço, mas que, nos anos 1950 e 1960, era uma potência, tanto quanto se pode ser uma potência futebolística na Suíça (três títulos de campeão e seis taças). Em 1961, o FC La Chaux-de-Fonds era o representante suíço na Taça dos Vencedores das Taças e foi emparelhado na pré-eliminatória com o Leixões, que fazia a sua estreia europeia por ter vencido uma final da Taça de Portugal contra o FC Porto.

O que aconteceu entre La Chaux-de-Fonds e Matosinhos entrou para a história do futebol europeu. No primeiro jogo, em território suíço, venceram os helvéticos por 6-2, mas os rapazes de Matosinhos não se deixaram ficar e, no pelado do Campo de Santana, triunfaram por 5-0, naquela que continua a ser a maior reviravolta numa eliminatória das competições europeias (a par de três outras, incluindo a do Barcelona contra o PSG de anteontem). “Os suíços nem massagistas trouxeram. Vinham cá de férias e alguns até foram à praia”, recordava ao PÚBLICO em 2002 Manuel Oliveira, “Oliveirinha”, avançado do Leixões que marcou quatro golos nessa eliminatória, dois na Suíça e dois em Matosinhos — o brasileiro Osvaldo Silva, futuro avançado do Sporting, também marcou dois golos nesse jogo.

Nessa conversa de 2002, Oliveirinha admite que um desses golos foi “arranjado com a mão”. “Agora, o mais fácil é atirar-se para o chão, mas antes o campo era pelado”, confessava. A equipa de Matosinhos ainda avançou mais uma ronda nessa Taça das Taças, eliminando os romenos do Progresul de Bucareste, sendo que teve de fazer a primeira mão em casa emprestada — foi no Estádio José Alvalade, porque a UEFA exigia um campo relvado.

Dois anos depois, Osvaldo Silva voltaria a ser protagonista numa memorável eliminatória da Taça das Taças de 1963-64 que terminaria em glória absoluta para o Sporting. Os “leões” acabariam por conquistar o seu único troféu europeu numa final frente ao MTK de Budapeste, mas, antes, tiveram pela frente uma das melhores equipas da Europa, o Manchester United treinado por Matt Busby e que tinha Bobby Charlton, Dennis Law e um muito jovem George Best. A história é bem conhecida, mas aqui fica. Os “red devils” esmagaram na primeira mão por 4-1 (três golos de Law), mas o Sporting, com um hat-trick de Osvaldo Silva em Alvalade, mais golos de Geo e Morais, chegou e sobrou para seguir em frente.

Depois da reviravolta do Leixões, uma “remontada” de quatro golos de desvantagem só voltou a acontecer mais de vinte anos depois, na segunda eliminatória da Taça UEFA de 1984-85. O Partizan Belgrado esteve do lado certo dessa reviravolta frente ao Queens Park Rangers. A equipa jugoslava sofreu em Londres uma pesada derrota por 6-2, mas anulou-a com um triunfo caseiro por 4-0. A atmosfera vibrante e hostil criada por quase 50 mil adeptos do Partizan foi demasiado para os ingleses, que ainda tiveram meia hora para marcar um golo depois de estarem a perder 4-0. Mas, aparentemente, o treinador não sabia da regra dos golos marcados fora e, depois dos 90 minutos, disse aos jogadores para irem jogar o prolongamento — e há também rumores, nunca confirmados, de que alguns jogadores se embebedaram na noite anterior.

Milan e Real Madrid vítimas

O Real Madrid está habituado a recuperações heróicas, mas nenhuma foi tão incrível como a que protagonizou na Taça UEFA de 1985-86. Depois de uma derrota por 5-1 em casa do Borussia M’gladbach, então treinado por Jupp Heynckes, os “merengues” triunfaram no Bernabéu por 4-0 com dois golos de Jorge Valdano e dois de Carlos Santillana. Nesse ano, o Real acabaria mesmo por vencer a competição ao bater na final uma grande equipa do Colónia (com Schumacher, Littbarski e Allofs), triunfando por 5-3 no conjunto das duas mãos.

Nessa temporada, mas na Taça das Taças, aconteceu um confronto das duas Alemanhas, o Bayer Uerdigen, da RFA, e o Dínamo de Dresden, uma das equipas dominantes da RDA. A equipa de Dresden iniciou o duelo com uma vitória por 2-0 na primeira mão e, ao intervalo do segundo jogo, já ganhava por 3-1 (5-1 no conjunto da eliminatória). Na segunda parte, assistiu-se ao colapso do Dínamo e ao massacre do Uerdingen, que marcou seis golos na última meia-hora. Matthias Sammer estava nessa equipa do Dínamo e o treinador era o seu pai, Klaus Sammer, que foi imediatamente despedido.

Entre tantas histórias de recuperações notáveis no futebol europeu é difícil de escolher. Ficam mais duas: a incrível reviravolta do Deportivo da Corunha frente ao AC Milan na Liga dos Campeões em 2003-04, em que triunfou no Riazor por 4-0 depois de perder em San Siro por 4-1, e aquela do Mónaco frente ao Real Madrid nessa mesma temporada, em que anulou o desaire de 4-2 na primeira mão com um triunfo por 3-1 na segunda e um golo em cada jogo de Morientes, avançado emprestado pelos “merengues” — o Mónaco perderia a final da Champions em Gelsenkirchen com o FC Porto de Mourinho.

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