Jogadores que vieram da terceira e tiveram sucesso na primeira

Há vários jogadores que passaram directamente do Campeonato Nacional de Seniores para a I Liga portuguesa.

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Ruca e Costinha, do CNS para a I Liga Patrícia Martins

Há uns meses, Costinha treinava em horário pós-laboral no Lusitano Futebol Clube de Vildemoinhos, clube da Série D do Campeonato Nacional de Seniores (CNS). Esta era mais uma tentativa de dar o salto, depois de passagens pela formação do FC Porto e da Académica e pela II Divisão da Dinamarca. Num campeonato como o CNS, com tantas equipas e tantos jogadores, as hipóteses de passar despercebido serão sempre maiores do que ter protagonismo. Mas Costinha não passou despercebido. E, aos 23 anos, deu o salto que sempre ambiciou para se tornar num dos protagonistas do bom arranque de temporada do Vitória de Setúbal. Da III Divisão à primeira, sem passar pela segunda. Como ele, há mais.

Costinha, avançado que já marcou dois golos na presente temporada, é um dos 17 jogadores recrutados esta época por equipas da I Liga a emblemas do CNS – foram nove os clubes primodivisionários que o fizeram. Nem todos se estrearam no primeiro escalão, e alguns até foram emprestados, mas vários já se estabeleceram como valores seguros. Destes 17, Costinha, um avançado, é o mais utilizado, tendo conquistado o estatuto de titular desde a primeira jornada, e está perto de ser totalista (614 minutos em 630 possíveis) na equipa orientada por Quim Machado.

Fora desta estratégia de recrutamento estão os três “grandes”, Benfica, Sporting e FC Porto. Segundo José Amador, ex-coordenador da prospecção do Marítimo em Portugal continental, estes três clubes estão “mais atentos a atletas ainda em formação de divisões inferiores, com idade não superior a 21/22 anos, e menos a jogadores seniores”. “Assim que sabem de um miúdo com 16/17 anos a jogar como titular no CNS, soa o alarme”, refere.

O Vitória de Setúbal é a equipa da I Liga que mais apostou em jogadores do CNS. Tem quatro no plantel e três deles já foram utilizados em jogos do campeonato. Um deles até marcou na estreia. “Foi uma bela estreia, pena é não termos ganho”, diz Rui Pedro Coimbra Chaves, “Ruca”, lateral-esquerdo que o Vitória recrutou ao Mafra e que marcou um golo logo na primeira jornada da Liga frente ao Boavista, num jogo que acabaria por dar em empate (2-2).

Ruca, natural de Tondela, só chegou ao escalão principal aos 25 anos, apesar de passagens pela formação de clubes históricos como o Beira-Mar e o Gil Vicente. Mas só na época passada é que deu mais nas vistas como um dos jogadores importantes para a promoção do Mafra do CNS à II Liga – o central Marco Baixinho também estava nessa equipa e tem sido um dos destaques de início de época no Paços de Ferreira, que é orientado por Jorge Simão, durante boa parte da época treinador do clube, antes de ser chamado para o Belenenses.

“Não é fácil colocar jogadores do CNS na I Liga. Há sempre alguma desconfiança, porque sempre são dois escalões de diferença”, reconhece o empresário Nuno Correia, que gere as carreiras de Costinha, Ruca e Baixinho e que, na época passada conseguiu colocar o central João Afonso directamente do Benfica de Castelo Branco no Vitória de Guimarães - a NCFoot, empresa de Correia, tem a sua própria rede de observadores, não apenas para o CNS, mas também para os campeonatos de escalões etários inferiores e tem, actualmente, 38 jogadores em carteira.

Não haverá uma fórmula certa para promover o salto de um jogador do CNS para a I Liga. Estará algures entre a persistência dos empresários, a qualidade dos departamentos de prospecção dos clubes e o conhecimento prévio dos jogadores por parte dos treinadores. O que marca a diferença, diz Quim Machado, treinador do Vitória de Setúbal, está no investimento dos clubes em scouting. “O Vitória tem feito esse trabalho de casa. E eu também tenho a minha base de dados”, diz o técnico dos sadinos..

Nada acontece, acrescenta Machado, se os jogadores não tiverem qualidade. “É preciso ter olho e saber escolher. Quando existe qualidade não temos medo de apostar neles. E o Vitória tem tido proveito desse trabalho”, acrescenta Machado, citando o exemplo do médio Pedro Tiba, recrutado pelos sadinos em 2013 ao Tirsense, da IIB, e que, quando estava ao serviço do Sp. Braga, chegou a ser convocado para a selecção nacional.

Depois, vêm as dificuldades inerentes aos ritmos competitivos diferentes entre a I Liga e o CNS. “Há diferenças em tudo”, refere Costinha, mas isso não quer dizer que a integração num patamar mais elevado seja necessariamente difícil. É tudo uma questão de autoconfiança. “Temos de acreditar em nós próprios e ter alguém que confie em nós. Há milhares de jogadores que gostariam de estar no nosso lugar. Estará sempre alguém à espreita e é preciso trabalhar sempre mais que o parceiro do lado”, diz o avançado.

Quim Machado diz que “existe sempre um risco”, mas estas apostas valem a pena, e não apenas pelo baixo custo: “É verdade que os clubes não estarão na melhor situação financeira, mas não é só por isso que devem fazer estas apostas. Os miúdos que saem da formação por vezes têm a primeira porta fechada e têm de dar um passo atrás. Quem tem qualidade, acaba por se impor.”

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