O sítio onde a relva é mais verde

Início da competição de golfe marca o regresso da modalidade aos Jogos Olímpicos. Mas nem tudo foi pacífico no caminho até aqui, com polémicas em torno da construção do campo olímpico e a desistências dos principais nomes do ranking mundial

Foto
O campo de golfe dos Jogos Olímpicos ANDREW BOYERS/Reuters

Colocar de pé as estruturas que acolhem os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foi um desafio que deu muitas dores de cabeça à organização e é compreensível que alguns aspectos laterais tenham passado para os últimos lugares da lista de prioridades. Nesse lote pode incluir-se a vegetação nas instalações recém-construídas, mas também em algumas das principais vias da “Cidade Maravilhosa”. Em canteiros feitos para estarem preenchidos por um tapete verde e fofo, o que se vê são rectângulos de relva seca, com um tom desbotado entre o amarelo e o castanho, que fazem lembrar aqueles tapetes para limpar os pés antes de entrar em casa.

Mas há um sítio onde a relva é mais verde. O Campo Olímpico de Golfe, na Barra da Tijuca, é um cenário bucólico e verdejante que beneficia de uma manutenção zelosa. Não é para menos: será o palco do regresso do golfe ao programa olímpico, após 112 anos de ausência. Trata-se de uma das obras mais polémicas feitas para os Jogos Olímpicos e que mereceu muitas críticas. Desde logo porque o golfe tem um número residual de praticantes no Brasil. Sem estatísticas precisas disponíveis, as estimativas colocam o número total de praticantes na ordem dos 25 mil – num país que tem mais de 200 milhões de habitantes, isso equivale a pouco mais de 0,01% da população.

No site oficial dos Jogos lê-se que o campo: “tem 18 buracos e paisagismo de vegetação nativa da região – fruto de um projecto de recuperação ambiental. Após o evento, será aberto ao público”. Mas a realidade talvez seja um pouco diferente. O campo foi construído numa área de protecção ambiental e só deverá ser do domínio público durante 20 anos. O empreendimento é privado e a construtora responsável terá recebido benefícios em troca da obra, nomeadamente o direito de construir prédios mais altos do que o permitido nos terrenos circundantes.

No âmbito estritamente desportivo, as coisas também não correram como desejado – e ainda nem sequer começou a jogar-se. Houve uma sucessão de golfistas da elite mundial a abdicar de participar no torneio olímpico, com muitos a invocarem receios devido à epidemia do vírus Zika. Só no "top-10", os ausentes são Jason Day, Dustin Johnson, Jordan Spieth, Rory McIlroy, Adam Scott e Branden Grace. McIlroy admitiu mesmo que nem vai ver a prova, confessando que estará atento “ao atletismo, natação, saltos para a água, as coisas que interessam.”

Mas a competição está prestes a arrancar e todas estas questões vão passar para plano secundário. O brasileiro Adilson da Silva, há muitos anos radicado na África do Sul, terá a honra de dar a tacada inaugural do torneio olímpico. A expectativa dos responsáveis da Federação Internacional de Golfe (IGF) é “uma competição entusiasmante, com muitos milhões de pessoas a assistir, que inspire mais gente a praticar”. Peter Dawson, o presidente do organismo, notou um aumento de popularidade da modalidade, com 30 países a aderirem à IGF desde a confirmação do regresso do golfe ao programa olímpico. “O facto de muitos golfistas de topo terem decidido não participar no torneio não ajuda, mas temos de nos concentrar nos jogadores que estão cá. Poderão dizer sempre que são atletas olímpicos e quem ganhar as medalhas terá algo de que se orgulhar para o resto da vida”, afirmou o dirigente, em conferência de imprensa.

Melo Gouveia confiante

Entre os candidatos está o português Ricardo Melo Gouveia, que falou ao PÚBLICO após o primeiro contacto com o campo projectado por Gil Hanse. “Fizeram um grande trabalho. Joguei os primeiros nove buracos e é um campo mais ou menos aberto, mas parece mais aberto do que é. Por isso, há alguns shots de saída nos quais tem de se ter cuidado. Os bunkers estão bem colocados, mas sem dúvida é um campo de segundos shots ao green. O vento vai ser um factor importante, tanto pode dificultar as coisas como proporcionar resultados baixos”, explicou.

Após um fim-de-semana passado em Paraty, a três horas do Rio de Janeiro, onde comemorou o seu aniversário na companhia dos pais e da namorada, Ricardo Melo Gouveia confessou que anseia pela hora de entrar em acção: “Está-me a apetecer imenso começar a prova. Estou com confiança, o meu jogo está cada vez melhor”, destacou o golfista português, recentemente incluído na lista dos 25 jogadores com menos de 25 anos mais promissores do circuito europeu.

Quanto às ausências dos principais nomes do ranking mundial, Melo Gouveia (que terá a companhia de Filipe Lima como representantes portugueses na prova) admitiu que “é diferente ter aqui os primeiros do ranking ou ter só alguns dos melhores”. “Mas, mesmo assim, estão grandes potências mundiais, jogadores que este ano já ganharam majors. Para o público tira um pouco de entusiasmo e é injusto para o golfe. Dá uma imagem um pouco má ter havido tantas desistências, mas acho que mesmo assim vai ser um grande torneio. E penso que os jogadores que não vieram vão-se arrepender. Está a ser uma experiência única”, concluiu.

Única também está a ser a experiência de Edgar Tasso. Praticante e apaixonado por golfe, candidatou-se ao programa de voluntariado dos Jogos Olímpicos e veio de Curitiba (a mais de 800km do Rio de Janeiro) de propósito para viver por dentro o torneio olímpico, como voluntário. No primeiro dia de treinos, quando o PÚBLICO visitou o Campo Olímpico de Golfe, Edgar absorvia cada passo dado pelos golfistas e observava atentamente as bolas que iam batendo em jeito de reconhecimento do terreno que será palco da competição. “Eu também jogo, mas mal”, disse com uma gargalhada, lamentando a ausência dos primeiros do ranking: “Tira algum prestígio ao torneio.”

Apesar disso, tem havido procura por bilhetes. “Em termos gerais, estão vendidos 58% dos ingressos disponíveis. Temos lotação esgotada para o dia da final masculina e as vendas têm vindo a aumentar diariamente”, explicou o director-executivo da IGF, Antony Scanlon. A expectativa para assistir ao regresso do golfe ao programa olímpico, 112 anos depois, está quase a terminar.

Sugerir correcção
Comentar