O que aconteceu a Byron Moreno depois da Coreia? Tudo

Depois de ter ganho fama como o pior árbitro do Mundial 2002, o equatoriano foi várias vezes suspenso da arbitragem, e esteve preso nos EUA por tráfico de droga.

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Vieri e Di Livio bem reclamam, Moreno nem quer ouvir REUTERS/Desmond Boylan

Nunca veremos um título de uma crónica de jogo com “Excelente arbitragem na vitória equipa X”. Já o contrário — “Arbitragem miserável prejudica equipa Y” — acontece com muita frequência. E há 15 anos, uma exibição de um árbitro em particular dominou as primeiras páginas de todos os jornais italianos. “Vergonha”, dizia a Gazzetta delo Sport, “Vergonha”, escrevia o Tuttosport, “Escândalo mundial”, titula o Il Messaggero. Tudo acompanhado de fotos com o mesmo protagonista, vestido de preto, olhos semicerrados e indiferentes aos protestos dos outros protagonistas que estavam vestidos de azul. Byron Moreno era o homem de preto que ganhou infâmia mundial naquele jogo dos oitavos-de-final do Mundial 2002. Mas a sua queda não acabou aqui. Na verdade, foi só o início.

Pouco se sabe de Byron Aldemar Moreno Ruales antes do Mundial 2002. Nasceu em Quito, capital do Equador, a 23 de Novembro de 1969, tornou-se árbitro internacional em 1997 e foi um dos seis árbitros sul-americanos escolhidos para o primeiro mundial realizado na Ásia. Moreno esteve no Portugal-EUA da fase de grupos (derrota portuguesa por 3-2) e fez um trabalho suficientemente bom para a FIFA o escolher para o jogo dos oitavos-de-final entre a Itália e a anfitriã Coreia do Sul, que estava a ser uma das grandes surpresas do torneio (e que iria continuar a ser, mas já lá vamos).

A “squadra azzurra” apresentava-se com uma equipa temível (Vieri, Del Piero, Totti, Buffon, Maldini) e era grande candidata, os coreanos tinham o factor casa a seu favor, a mão experiente de Guus Hiddink no banco e já um notável abatido (Portugal). Mas o que aconteceu em Daejeon contrariou toda a lógica. Os coreanos seguiram em frente com um golo de ouro de Ahn no prolongamento. Não terá sido o jogo mais brilhante da Itália, e a Coreia, como em todos os jogos do torneio, comeu a relva, mas a arbitragem de Moreno influenciou muito o desfecho.

Entre muitos erros de julgamento, duas decisões de Moreno enfureceram os italianos: a expulsão de Totti por suposta simulação de uma falta na área e um golo anulado a Tommasi no prolongamento. Várias vezes o equatoriano foi rodeado por jogadores italianos, mas eles respondeu sempre com um olhar impassível às reclamações. A Coreia passou, iria ainda chegar às “meias” depois de eliminar a Espanha (que também se queixou muito da arbitragem nesse jogo), Moreno regressou a casa com o rótulo de pior árbitro do mundo – em sua defesa, é preciso dizer que nesta altura os Mundiais de futebol ainda tinham equipas de arbitragem com origens diversas e naquele jogo Moreno era auxiliado por um juiz de linha argentino, outro húngaro e um quarto árbitro marroquino.

Ainda assim, ganhou um estatuto de celebridade que tentou rentabilizar de várias maneiras. Aceitou, por exemplo, aparecer num programa de comédia da Rai Due a troco de alguns milhares de dólares e tentou uma carreira política candidatando-se numas eleições para o concelho municipal de Quito (perdeu, mesmo com o slogan com que concorreu, “Cartão Vermelho à Corrupção”). No meio disto tudo, não deixou de ser árbitro, mas, pouco depois do mundial, seria suspenso pelo que fez num Barcelona-Liga de Quito. Começou por dar seis minutos de tempo de compensação, estendeu esses minutos para 13 e, nesse período, o Liga de Quito, que estava a perder por 3-2, marcou dois golos e venceu por 4-3 – também marcou dois penáltis duvidosos e expulsou dois jogadores. A federação achou que havia ali qualquer coisa – talvez uma tentativa de agradar ao povo de Quito e ganhar votos para a tal eleição - e suspendeu Moreno por 20 jogos. Voltou em Maio de 2003 e voltou a ser suspenso, depois de uma arbitragem controversa. Depois disto, decidiu acabar a carreira.

Passou a ganhar a vida como comentador televisivo de futebol. Divorciou-se, casou outra vez, tentou sem sucesso abrir uma academia de árbitros, chegou a ser preso por conduzir embriagado. Começa a acumular dívidas. E o que até aqui parecia uma farsa, ganha uma dimensão extra de tragédia. Moreno tinha um filho que nascera com graves problemas cardíacos e que a medicina não conseguiu salvar – o árbitro pedira dinheiro emprestado para os tratamentos e as cirurgias. Sem crédito, Moreno cedeu à pressão de servir como mula de heroína para os EUA, país que visitava regularmente para ver familiares.

Em Setembro de 2010, Moreno é apanhado pelo controlo alfandegário do aeroporto JFK, em Nova Iorque, com 6,2kg de heroína colados ao corpo, uma quantidade que teria o valor comercial a rondar os 400 mil dólares. Segundo o testemunho de um dos agentes que esteve na detenção, Moreno estava “visivelmente nervoso e a suar muito”. Moreno arriscava-se a uma pena de prisão de dez anos, acabou por cumprir dois anos e dois meses, um castigo mitigado pela história triste que contou no julgamento e pelo seu bom comportamento no cárcere, onde trabalhava na lavandaria e também se encarregava de organizar jogos de futebol.

Gianluigi Buffon, que ainda é o dono da baliza da Itália 15 anos depois desse Mundial, deu as duas faces quando soube que Moreno estava preso por narcotráfico. “Seis quilos? Em 2002, ele já tinha isso, mas não estavam escondidos nas cuecas, era no próprio corpo”, dizia em 2010 o guarda-redes da Juventus. “Mas, quando alguém do desporto se envolve com drogas, é porque está a chegar ao fundo do barril”, acrescentava. Byron Moreno voltou ao Equador depois de 26 meses numa prisão em Brooklyn e tem dado várias entrevistas, sempre arrependido de todos os erros de julgamento que cometeu. O que nunca admitiu foi ser um árbitro corrupto. Se calhar, era só um mau árbitro.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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