O “pavilhão” virtual onde os sticks se cruzam

O hoqueipatins.pt não é apenas a maior fonte estatística da modalidade em Portugal. É um projecto despretensioso que capta milhares de seguidores e consegue fazer pontes entre diferentes latitudes do mapa desportivo. A partir dos Açores, foi alargando competências e já rompeu fronteiras.

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Rui Soares
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Houve um período na vida de Pedro Jorge Cabral em que o telemóvel passava o fim-de-semana a transbordar. “Chegava a receber mais de 1000 SMS por sábado”, desvenda. Não é fácil encontrar, nos bastidores do desporto português, alguém com tanta procura. Especialmente se tivermos em conta que o trabalho que decidiu iniciar, já lá vão mais de 35 anos, por alta recreação, há muito que superou o estatuto de motor da informação no universo do hóquei em patins para romper fronteiras e se tornar em algo que vai muito para lá dos números. Hoje, o site de referência da modalidade é um concorrido ponto de encontro virtual de uma comunidade que carrega o hóquei na ponta dos dedos.

Não há que enganar: hoqueipatins.pt. Esta é a designação actual de uma plataforma que nasceu em Ponta Delgada, fruto de uma necessidade pessoal, e que continua a viver à custa de contributos que praticamente só têm retorno no reconhecimento prestado por atletas e treinadores. “Tudo isto começou muito devagar. Em 1980, enquanto treinador do União Micaelense, na III divisão, sentia que precisava de ter informação, porque quando chegávamos ao final dos jogos era uma confusão para saber resultados”, recorda o mentor do projecto, que se decidiu a reunir uma carteira de contactos para se lançar à aventura.

Foi apenas o primeiro passo. Saciada a sede de informação profissional, Pedro Jorge Cabral rapidamente percebeu que era preciso partilhar o que apurava. Para dar resposta à curiosidade dos seus atletas e não só. “Fiz, então, um site pequenino, chamado uniaomicalense.com, uma página pequena na qual colocava resultados, marcadores e classificação da III divisão”, explica ao PÚBLICO, confessando-se surpreendido ao perceber que, a partir de então, foram muitos os sites e blogues a replicar os dados que coligiu.

A apetência do professor de Educação Física para dar um contributo importante à modalidade fora dos rinques começava a tornar-se evidente e, enquanto director técnico da Associação de Patinagem de Ponta Delgada, aproveitou as competências para dar um impulso também ao site do organismo. Entre 1999 e 2005, deu um novo rosto aos jogos associativos sem perder, no entanto, a visão transversal do pulsar da modalidade. E no ano seguinte percebeu que era possível voar mais alto quando um número redondo bateu à porta: “Em 25 de Outubro de 2006 atingimos um milhão de visitantes, 11 anos depois do lançamento”.

A marca até pode parecer modesta se olharmos para a presente voragem das redes sociais, mas ganha outra dimensão se tivermos em conta a estagnação do número de praticantes de hóquei em patins num país que se foi afastando de um dos desportos que sempre combinou com a palavra tradição. E talvez seja mais fácil compreender o impacto do site com outros dados, mais actuais: a 16 de Maio de 2016, registou 2,4 milhões de visualizações; a 15 de Julho do mesmo ano, conseguiu 24.132 visitas num só dia; a 15 de Novembro, chegou aos 8 milhões de visitantes.

1420 "informadores" num dia

Da nomenclatura inicial até à presente “morada”, estabelecida em Agosto de 2012, houve várias roupagens, mas a essência manteve-se. O que evoluiu foi o volume e a organização da informação, que permite hoje aos seguidores do hóquei em patins terem acesso instantâneo a várias abordagens estatísticas de praticamente todos os campeonatos nacionais, incluindo grande parte dos escalões de formação, para além de provas de selecções e de Ligas estrangeiras (Espanha, Itália, França, Alemanha e Suíça).

A qualidade (e a rapidez) da informação debitada no hoqueipatins.pt não chamou a atenção apenas de praticantes e adeptos. A própria Federação Portuguesa de Patinagem (FPP) reconheceu o potencial do projecto e acabou por firmar com Pedro Jorge Cabral, há três anos, uma parceria para explorar a ferramenta dos resultados na hora: “Eu cedo os resultados e a única coisa que peço é que custeiem o servidor, mas isto é especialmente importante porque foi a primeira abertura da FPP a uma entidade exterior”, assinala.

Mas como funciona esta máquina? Que trabalho existe por detrás do pano para que, ao longo do fim-de-semana, o país do hóquei se veja, num par de horas, traduzido em classificações e números que podem ser cruzados e lidos de diferentes perspectivas? O ex-treinador, formado no ISEF, em Lisboa, explica: “Há quatro ou cinco anos comecei a ter a ajuda de algumas pessoas, para tratar a informação que vai chegando e para ir aos campos para começar a partilhar a informação. E agora acontece o mesmo na gestão das páginas”.

Essa “legião da boa vontade”, que opera sem custos, tem rosto. E nome: David Veiga, Miguel Bastos, Ricardo Paulino, António Anacleto, Mário Duarte e Rui Pedro numa primeira linha de apoio. Ricardo Dias, Bruno Soares, Manuel Silva e João Gonçalves num segundo patamar. Ainda assim, seria sempre uma equipa demasiado curta para a quantidade de dados disponibilizada. E é aqui que entra em acção uma outra faceta da vida de Pedro Jorge Cabral, a de programador informático.

“Ao longo da minha vida fui autodidacta em informática, era uma forma de eu descansar um bocadinho. Demorei cerca de 30 anos a conceber o programa, que comecei em 1986. Ao longo desse período, fui construindo o software que me permitiu criar o campeonato. Ao fim-de-semana deixo tudo preparado para o meu pessoal, deixo a listagem e eles vão actualizando. Quando faço a introdução de uma equipa, em 30 segundos o programa gera 16 páginas. Depois o site tem a capacidade de integrar tudo automaticamente”, expõe.

A automatização do processo abre um leque amplo de possibilidades, mas não reduz o empenho e o comprometimento dos intervenientes. Vejamos, primeiro, como funciona esta rede com um largo caudal de dados a ser transmitido dos mais diversos pontos do território. “Em 2001 pensei num espaço em que as pessoas se juntassem e criei um chat para partilharem resultados”. É por esta via, e também pelo telemóvel (o tal que chegou a acondicionar mais de 1000 mensagens num dia), que Pedro Jorge Cabral vai recebendo a informação. “Não é fácil gerir entre 600 a 1300 pessoas a darem-nos resultados ao sábado”, reconhece, acrescentando que 1420 foi o valor máximo de utilizadores registado até à data num só dia.

Tudo somado, com o programa em velocidade de cruzeiro e com a generosa equipa de apoio com a qual trabalha, este antigo multidesportista (que, para além do hóquei, chegou a praticar futebol, basquetebol, voleibol, râguebi, golfe e automobilismo) estima três a quatro horas por noite para actualizar o site, ao sábado, e um pouco menos ao domingo. “Um trabalho terrível”, suportado financeiramente apenas pelos anúncios Google que enquadram a página, mas também “compensador”.

“O site vale pelo reconhecimento. Dá-me muito gosto ligar para qualquer jogador de renome de uma grande equipa europeia e perceber que se interessam pelo site e colaboram também de forma solícita”, adianta Pedro Jorge Cabral, que tem na ponta da língua o número aproximado de contactos de que dispõe, exclusivamente ligados à modalidade. “São mais de 1500 só em Portugal. E quando não consigo falar com alguém pelo telemóvel, uso o Facebook e a resposta é quase imediata”.

As solicitações do CEHR

Aos 58 anos, o professor de Educação Física na Escola Secundária Domingos Rebelo, em Ponta Delgada, não espera, como nunca esperou, ganhar dinheiro com o projecto. Limita-se a tentar cobrir os créditos que contraiu para pôr em marcha esta Meca virtual do hóquei em patins e, acima de tudo, para colocar de pé um projecto paralelo de transmissão de jogos da modalidade na Internet, que vigora desde 2006. Com uma pequena ajuda do Governo regional para o investimento inicial, da ordem dos 3900 euros (valor que Pedro Jorge Cabral precisou praticamente de duplicar, a partir do próprio bolso), conseguiu fazer a cobertura do Europeu de sub17 no Luso e ganhar alguma projecção. “Depois, fomos a França pelo CERH [comité europeu de hóquei em patins] sem ganhar um tostão, pagaram só a deslocação. O sucesso foi tão grande que nos perguntaram se queríamos fazer os sub20 em Valongo e fizemos 32 jogos com grandes audiências. No ano seguinte, o CERH pediu-nos o Europeu”, detalha.

Seja qual for a perspectiva, é justo concluir que Pedro Jorge Cabral tem dado um contributo relevante para o hóquei em patins nacional. E quando lhe perguntamos o que precisa de ser feito para elevar o reconhecimento público da modalidade, não hesita em avançar com uma ideia que se percebe andar há muito a amadurecer na sua cabeça: “Eu proponho que cada clube seja obrigado, por regulamento, a gravar os seus jogos. Se em vez dos 1000 euros que os clubes pagam pela organização de um jogo, a FPP cobrasse, por exemplo, 700, e o valor restante fosse devolvido com uma câmara e Internet, a FPP garantia a transmissão dos jogos todos. Seriam 21 jogos por jornada”.

Numa palavra, falta divulgação. E um trabalho mais sistemático nas escolas, para começar a formar de raiz e a captar no viveiro mais comum os talentos do futuro. E, já agora, mudar algumas mentalidades, alerta o docente. Até lá, o hoqueipatins.pt vai fazendo o que lhe compete, por imposição própria. “A nossa comunidade não é só de quem actualiza, mas também de quem deixa de ver o jogo para partilhar a informação, o que é de um altruísmo fantástico. Sem falsa modéstia, creio que unimos as pessoas à volta do hóquei em patins. Pela quantidade de pessoas que envolve, não me parece desmedido dizer que o site é um local de peregrinação ao fim-de-semana”.     

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