O mais recente escândalo de dopagem de atletas russos e os Jogos: Quo Vadis?

A dopagem – a par de outros fenómenos como a violência – tem-se assumido como uma das mais problemáticas questões relacionadas com a prática desportiva. Com efeito, a dopagem é reprovável tanto em termos éticos como em termos jurídicos, desde logo por colocar em causa, por um lado, a integridade física (e moral) dos atletas que recorram a substâncias dopantes e, por outro lado, por obrigar, igualmente, a questionar a seriedade e a credibilidade do resultado desportivo. Na sequência destes impactos negativos, gera-se também uma descrença generalizada na opinião pública que, por conseguinte, “afasta” os patrocinadores da competição em causa. Todos estes motivos justificam sempre uma intervenção rápida e eficaz da rede de regulação da dopagem num âmbito transnacional e nacional.

A questão jurídica que envolve a dopagem é, no entanto, merecedora de uma abordagem que não se cinja a uma redutora e simplista constatação de que a mesma deve ser “combatida” e que a solução deve passar facilmente – e a qualquer custo – pela forte punição dos “prevaricadores”. Se, efectivamente, forem verdadeiras as informações divulgadas pela comunicação social e as mencionadas no relatório de Richard McLaren, o escândalo de dopagem que envolve os atletas russos não está relacionado com um mecanismo de dopagem isolado ou colectivamente concertado por atletas ou clubes desportivos, assentando, pelo contrário, num esquema de dopagem de Estado, na medida em que este potenciou e patrocinou a obtenção e a melhoria de resultados desportivos de atletas através do recurso a substâncias dopantes e, concomitantemente, do falseamento de controlos de antidopagem.

É, portanto, indispensável que sejam ponderadas as consequências jurídicas que envolvem a dopagem destes atletas, numa problemática que tem mais questões em aberto do que as certezas que envolve. Numa lógica mais sumária e prudente, podemos mencionar que a solução gira em torno de saber se existe ou não a possibilidade de responsabilizar colectivamente todos os atletas russos, impedindo-os de competir nos Jogos Olímpicos.

Esta questão permite-nos fazer três observações. Em primeiro lugar, identificar que, embora ainda não se conheçam os fundamentos da sentença arbitral do Tribunal Arbitral du Sport, este decidiu a favor da validade da suspensão da federação de atletismo russa operada pela federação internacional de atletismo (IAAF) nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do regulamento de competição da IAAF, e, concomitantemente, da decisão de suspensão de alguns atletas russos pela mesma federação. Além disso, entendeu que existia uma impossibilidade de pronúncia – por falta de jurisdição – relativamente à resolução da questão que envolvia saber se o COI teria que aceitar (ou não) os atletas nomeados pela federação russa ou autorizar alguns atletas a participarem nos Jogos Olímpicos como atletas “neutrais”. Este sentido decisório permitiu deixar em aberto a prerrogativa da responsabilidade colectiva nas “mãos” do COI.

Em segundo lugar, a opção do Comité Olímpico Internacional (COI) de não punir colectivamente todos os atletas russos (com evidentes dúvidas sobre a proporcionalidade de uma medida do género) pode parecer uma decisão salomónica, ponderada e prudente, mas peca por ser demasiado conservadora, uma vez que “empurra” o problema para uma decisão individual das federações desportivas internacionais, ainda que criando condições apertadas para que a participação dos atletas nos Jogos Olímpicos possa ocorrer. Esta solução pouco corajosa ilustra bem o carácter político do conflito aqui em causa. Uma palavra de crítica merece, em particular, o tratamento dado à atleta Yuliya Stepanova (cuja denúncia foi essencial). Curiosamente, reconhecendo o papel fulcral desta atleta no deslindar deste escândalo, o COI rejeitou – com base numa decisão da Comissão de Ética – que aquela pudesse participar nos Jogos Olímpicos, ainda que a atleta já tivesse sido sancionada (e cumprido a “pena” daí decorrente) por se ter dopado no passado. É caso para perguntar: as condições de elegibilidade, ainda que disfarçadas de sanção por estar em causa um comportamento anti-ético, devem excluir perpetuamente um atleta, que denunciou um escândalo desta gravidade, dos Jogos Olímpicos?

Em terceiro lugar, sabendo que os rumores e as suspeitas relativamente à dopagem de atletas russos já ocorrem há diversos anos, parece-nos óbvio que podia ter havido uma abordagem mais eficaz e célere. Com efeito, foi somente com o impacto particular na opinião pública do documentário de Hajo Seppelt que foi divulgado em 2014 na estação de televisão alemã da ARD, intitulado como “Geheimsache Doping: Wie Russland seine Sieger macht” (A dopagem secreta: como cria a Rússia os seus campeões), que este problema foi encarado com seriedade acrescida por parte da Agência Mundial de Antidopagem (AMA). No limite, o que este escândalo implica é uma reponderação da eficácia dos mecanismos de controlo da AMA, desde logo, por ficarem sérias dúvidas relativamente à passividade e falta de acção desta (ou falta de meios) perante as suspeitas que pairavam sobre a dopagem dos atletas russos desde 2014. Em todo o caso, terá sido, com toda a certeza, a aproximação dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro um verdadeiro catalisador para uma tomada de posição e de força quer da AMA, quer do associativismo desportivo.

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