O fim do mundo não veio, mas a carreira de Carlos Roa acabou

Titular da Argentina no Mundial 1998 e cobiçado pelo Manchester United, deixou o futebol para se preparar para o apocalipse

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Carlos Roa, ao centro, celebra com os companheiros da selecção argentina o triunfo sobre a Inglaterra, no Mundial 1998 Pawel Kopczynski/Reuters
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Sem sofrer qualquer golo na fase de grupos, Carlos Roa foi importante num percurso que só terminou nos quartos-de-final Kimimasa Mayama/Reuters
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Roa foi decisivo frente à Inglaterra, ao fazer duas defesa no desempate por penáltis Pawel Kopczynski/Reuters
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O argentino viveu a melhor fase da carreira no Maiorca, clube pelo qual conquistou a Supertaça espanhola e foi eleito melhor guarda-redes da época 1998-99 Ian Hodgson/Reuters
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Apesar de ter uma proposta milionária do Manchester United, Carlos Roa abandonou o futebol em 1999 para dedicar-se à religião Dani Cardona/Reuters

Ele estava no auge da carreira quando decidiu abandonar o futebol. A razão? Preparar-se para o fim do mundo. A religião sempre teve um papel central na vida de Carlos Roa, internacional argentino que, aos 29 anos, recusou propostas milionárias e desapareceu durante alguns meses. O tempo passado em isolamento, nas montanhas, permitiu ao guarda-redes “ficar mais próximo da família”. Quando sentiu falta do futebol, regressou “relaxado e feliz” – mas o tempo dele já tinha passado, e a carreira não voltaria a ser o que era.

Carlos Roa não teve um início fácil: estreou-se no campeonato argentino aos 19 anos, pelo Racing Avellaneda, mas numa digressão de Verão a África adoeceu com malária e seria transferido para o Lanús. Aí, viria ser treinado por Héctor Cúper, e isso foi o melhor que lhe aconteceu. O clube lutou pelo título, Roa era titular e, quando Cúper se transferiu para o futebol espanhol, levou o guarda-redes consigo para reforçar o Maiorca.

A aventura europeia começou em 1997-98 e, nessa primeira época, o emblema das Baleares chegou à final da Taça do Rei: perante o Barcelona, o Maiorca marcou primeiro, mas permitiu a igualdade e a partida só foi decidida nos penáltis. Carlos Roa travou os remates de Rivaldo, Celades e Luís Figo, ainda marcou com sucesso uma das grandes penalidades, só que não conseguiu evitar que o troféu fosse para a Catalunha (mas teve depois a desforra quando conquistou a Supertaça espanhola).

Veio o Verão e Carlos Roa juntou-se à selecção argentina para o Mundial 1998. Titular indiscutível na equipa de Daniel Passarella, não sofreu qualquer golo na fase de grupos e voltou a ser decisivo nos penáltis, perante a Inglaterra, nos oitavos-de-final. Em mais um capítulo desta rivalidade, o prolongamento não desfez o 2-2 e nas grandes penalidades Carlos Roa defendeu os remates de Paul Ince e David Batty para garantir o apuramento. Nos quartos-de-final, a albiceleste seria batida pela Holanda.

Roa era um herói nacional e na época 1998-99 foi eleito o melhor guarda-redes do campeonato espanhol. Havia sobre a mesa uma proposta milionária do Manchester United, mas o guarda-redes tinha tomado a decisão de abandonar o futebol para dedicar-se a “transmitir a palavra de Deus”, como pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia. À semelhança de outros crentes, acreditava que a mudança de milénio traria o fim do mundo. A camisola 13 do Maiorca (“O 1 é Deus, a criação, e o 3 porque Cristo ressuscitou ao terceiro dia”) deixou de ter dono, Roa libertou-se de todos os bens e retirou-se para lugar incerto.

Passou uns meses numa localidade isolada nas montanhas, mas sentiu a falta do futebol e voltou. Só que já era tarde. Perdeu o lugar no Maiorca, depois rumou ao Albacete na II Divisão e, em 2004, foi forçado a parar de jogar quando lhe detectaram cancro nos testículos. “A mim, que sou vegetariano, não bebo, não fumo, não tomo nada”, disse na altura ao El País. Conhecido como “alface”, devido à sua dieta estritamente vegana, Carlos Roa despediu-se dos holofotes. Agora com 48 anos, é treinador de guarda-redes no Chivas de Guadalajara. E já não pensa no fim do mundo.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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