O fim da Liga dos Campeões tal como a conhecemos?

A UEFA anunciou uma reforma das competições europeias de clubes que divide opiniões. Os campeonatos de média e pequena dimensão criticam as mudanças na lista de acesso e na distribuição de receitas: “Fará os clubes extremamente ricos ficarem mais ricos”.

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Kai Pfaffenbach/Reuters

A jornada da Liga dos Campeões que se aproxima poderia ter um aspecto ligeiramente diferente se já estivesse em vigor a reforma das competições adoptada pela UEFA para o ciclo que se iniciará em 2018-19. Clubes que estão a disputar a “liga milionária” deixariam de ter direito a fazê-lo, e outros que ficaram de fora teriam acesso garantido. A organização que tutela o futebol europeu deliberou atribuir quatro lugares de entrada directa na fase de grupos às quatro principais Ligas – Espanha, Alemanha, Inglaterra e Itália –, o que na prática significa entregar metade das 32 vagas disponíveis a clubes desses países. Destes campeonatos só o italiano não tem quatro equipas a competir na Champions (Nápoles e Juventus são os únicos representantes da Serie A na prova).

As mudanças foram confirmadas em Agosto, com a UEFA a remeter “detalhes completos” para o final do ano. Mas a reforma proposta desencadeou desde logo críticas acesas, com os opositores a acusarem a UEFA de ter cedido a pressões dos clubes mais poderosos: as medidas anunciadas só tornarão os ricos ainda mais ricos, ao mesmo tempo que limitarão o acesso dos clubes de ligas médias ou pequenas à principal competição europeia, apontam. A tensão agudizou-se quando, há uma semana, a Associação das Ligas Europeias de Futebol Profissional (EPFL) decidiu suspender o memorando de entendimento assinado com a UEFA – moção que mereceu o apoio de 22 dos 23 campeonatos representados, com a Liga italiana a ser a única a votar desfavoravelmente. E já há quem discuta a ideia de lançar uma competição rival da Liga dos Campeões (ver texto ao lado).

“Esta reforma foi levada adiante sem consultar de maneira própria as ligas europeias”, lamentou o vice-secretário geral da EPFL, Alberto Colombo, em conversa com o PÚBLICO. “Não houve um verdadeiro processo de concertação com todos os envolvidos: clubes, ligas e federações”, acrescentou o mesmo responsável.

A reforma das competições europeias de clubes foi aprovada numa altura em que a UEFA estava sem presidente. Michel Platini demitira-se em Maio, após ter sido suspenso por suspeitas de corrupção num pagamento de dois milhões de francos suíços (cerca de 1,8 milhões de euros) recebido em 2011 de Joseph Blatter, então presidente da FIFA, relativo a serviços prestados por Platini à FIFA alguns anos antes. Aleksander Ceferin, sucessor do francês na liderança da UEFA, só foi eleito a 14 de Setembro. “Temos de nos sentar com as 55 federações nacionais para ver qual foi o acordo e o que poderemos fazer no futuro relativamente a ele. Será a primeira coisa de que vou tratar”, prometeu o esloveno, confrontado com o tema após a votação.

“Acreditamos na boa vontade do novo presidente da UEFA, até porque não pode fazer milagres tendo sido eleito há tão pouco tempo”, admitiu Colombo. Mas essa compreensão não diminui o tom das críticas: “Qualquer dimensão desta reforma vai na direcção de os clubes extremamente ricos ficarem mais ricos. Os quatro principais campeonatos vão passar a ter quatro lugares na fase de grupos cada – obviamente vão tirar lugares a outras associações. Na liga suíça, por exemplo, o campeão vai perder o acesso directo à fase de grupos da Liga dos Campeões. Mas também podemos falar da liga belga ou holandesa. E isso significa reduzir o valor da competição nacional. O prémio de qualificar-se para a fase de grupos da Liga dos Campeões é quase ou mesmo mais importante do que ganhar o campeonato. Isto significa tirar valor e atenção mediática a esses campeonatos.”

“Nada mudou para a esmagadora maioria das associações nacionais, que continuam a ter a oportunidade de ver os seus clubes qualificarem-se para a fase de grupos. Há um sistema de qualificação que permite a todos os clubes, independentemente da sua dimensão, sonhar em disputar a melhor competição mundial de clubes. Continua a ser uma prova aberta, inclusiva e para todos”, defendeu o departamento de comunicação da UEFA, numa nota enviada ao PÚBLICO.

Outros aspectos que as ligas europeias contestam são os critérios de distribuição da receita (no mais recente relatório financeiro da UEFA disponibilizado, relativo à temporada 2014-15, é atribuído às receitas geradas pela Liga dos Campeões, de quase 1500 milhões de euros, um peso superior a 70% no total de rendimentos) e a introdução do mérito histórico no novo coeficiente dos clubes. “Damos valor ao mérito desportivo, para que as ligas domésticas possam servir como critério de qualificação para as competições europeias”, frisou Alberto Colombo, apontando também a diminuição “substancial” da percentagem das receitas destinada ao fundo de solidariedade, que é distribuído pelos clubes afastados na fase de qualificação ou que não participaram nas competições europeias.

A suspensão do memorando de entendimento com a UEFA só será efectiva a 15 de Março – no fim desse mês a EPFL terá uma assembleia geral e no início de Abril a UEFA realiza o seu congresso. “As reuniões vão continuar a partir da segunda semana de Novembro. Acreditamos que até 15 de Março vamos ter um novo memorando de entendimento, e neste processo de negociação vamos falar da reforma 2018-2021. O que recebemos da UEFA até agora não foi suficiente”, vincou Colombo.

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