O choradinho olímpico

Ao desportista português devem ser atribuídas em simultâneo as categorias de atleta de alto rendimento e de mártir desportivo.

Tão certo como a maratona ter 42 quilómetros e 195 metros é nós ouvirmos, no final de cada edição dos Jogos Olímpicos, uma resma de atletas portugueses a queixar-se da falta de condições para a prática da sua modalidade. “Ai!, se tivéssemos mais apoios.” “Ai!, se não tivéssemos de voar em low cost.” “Ai!, se não fossem tantos os sacrifícios.” “Ai!, que não quero pedir mais dinheiro aos meus pais.” É uma pena que o choradinho não seja modalidade olímpica, porque teríamos vindo do Brasil com três caixotes de medalhas.

E não, não estou a desprezar o esforço dos atletas portugueses. Admito que tudo aquilo de que se queixam seja verdade e que ao desportista português devam ser atribuídas em simultâneo as categorias de atleta de alto rendimento e de mártir desportivo. Quando olho para o decreto-lei que enquadra o desporto de alto rendimento (n.º 272/2009), vejo que são atribuídos privilégios que muita gente não se importaria de usufruir: dispensa de prestação de trabalho, regime especial de acesso ao ensino superior, bolsas de alto rendimento isentas de IRS, subvenções temporárias de integração. E quando olho para o orçamento do ciclo olímpico Rio 2016 vejo que foram atribuídos 17,7 milhões de euros, e que 97% desse valor foi canalizado para apoio aos atletas. Estamos a falar de quase 190 mil euros por atleta, perto de 50 mil euros anuais para cada um. É até possível que este valor seja baixo por cabeça, mas é altíssimo por medalha. A estes preços, os Estados Unidos, para conquistarem as suas 121 medalhas, teriam de ter gasto bem mais de dois mil milhões de euros com a equipa olímpica. E sabem quanto é que o Governo americano gastou? Gastou zero.

Sim, zero, porque o programa olímpico americano não é subsidiado pelo Governo federal. Aconselho a todos a leitura de um artigo saído na Mother Jones com o título "Why some American olympians had to crowdfund their way to Rio". Está lá tudo explicado e comparado com outros países onde o financiamento é estatal. Muitas famílias americanas são obrigadas a lançar campanhas de angariação de fundos para os seus membros conseguirem ir aos Jogos Olímpicos. Há igualmente histórias de grandes sacrifícios e de gente que é obrigada a escolher entre o seu trabalho e o sonho de poder participar numa Olimpíada. É evidente que a sociedade civil americana nada tem a ver com a sociedade civil portuguesa. Mas uma das razões para essa diferença é ela chorar muito menos pela falta de apoio estatal e tratar de suprir as faltas do Estado com o seu próprio esforço.

Infelizmente, não tenho entre os amigos próximos qualquer atleta olímpico, e por isso não quero estar a ser injusto, refastelado num cadeirão e com a pança a bater na mesa. Mas há dois pedidos que gostaria de fazer. Em primeiro lugar, aos atletas: parem com os choradinhos. Em segundo lugar, aos portugueses: não sejam nem cruéis, nem complacentes. “É uma participação bastante razoável, mas não espectacular”, escreveram os enviados do PÚBLICO sobre a performance portuguesa. Esqueçam o espectacular: ela está muito longe de sequer ser razoável. Ontem, o Telegraph publicou um óptimo quadro onde o número de medalhas de cada país é analisado em função do número de atletas presente, da população e do seu PIB. Vão lá ver. Nós estamos horrivelmente classificados, qualquer que seja a categoria. Todos ter-se-ão esforçado imenso, sem dúvida. Mas lamento: os números são péssimos, seja qual for o ângulo por que se olhe.

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