“No mar os sentimentos são exacerbados: estamos profundamente tristes ou verdadeiramente felizes”

O velejador Paul Meilhat recordou os momentos dramáticos que viveu nos Açores, há ano e meio, apanhado pelo mau tempo.

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A embarcação de Paul Meilhat, que esteve em Lisboa a convite da Victoria Seguros, andou três semanas à deriva, tendo sido resgatada perto da Irlanda FOTO: Rodrigo Moreira Rato

Era a tempestade perfeita. E Paul Meilhat estava no centro dela. No dia 14 de Dezembro de 2015 estava em vigor um aviso vermelho, o mais grave numa escala de quatro, para as ilhas de São Miguel e Santa Maria, nos Açores. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera previa um “forte agravamento do estado do tempo”, com “rajadas na ordem dos 130 quilómetros/hora” e “a ocorrência de ondas de seis a oito metros, aumentando para nove a dez metros e podendo, pontualmente, atingir os 15 metros”. O velejador francês participava numa regata transatlântica e passava pelo arquipélago – apanhado pelo mau tempo 50 milhas a norte da ilha de São Miguel, sofreu um acidente que lhe provocou uma fractura na bacia e mazelas nas costelas. E, devido às más condições meteorológicas, ainda teve de esperar 24 horas até que os meios de socorro conseguissem chegar até ele.

Não fosse a sua experiência, sangue frio e resistência física, e Paul Meilhat podia hoje contar uma história diferente. O francês só foi resgatado no dia seguinte ao acidente, depois de uma primeira tentativa da Marinha portuguesa ter saído frustrada: uma embarcação semi-rígida ainda chegou junto ao veleiro, mas virou-se e os três militares que lá seguiam ficaram dentro de água com Meilhat. Só com o helicóptero da Força Aérea foi possível retirar toda a gente de dentro de água e transportar o velejador francês para o hospital.

“Estava magoado nas costelas e na bacia. Tinha tomado alguma medicação, mas estava com dores. Mas guardo boas recordações dos Açores, onde já tinha passado numa outra prova. E foi um momento do qual retirei coisas boas: foi duro para a equipa, o barco ficou muito danificado – eu também fiquei ‘danificado’, passei um mês de cama – mas trabalhámos juntos e aqui estamos”, sublinhou o francês que, a convite da Victoria Seguros, está de passagem por Lisboa com a embarcação do grupo segurador francês SMA, da classe IMOCA, que estará na doca do Espanhol, em Alcântara, até amanhã.

É o mesmo barco que foi acidentado nos Açores – e que andou quase três semanas à deriva, tendo sido recuperado já perto da Irlanda. “Estava cheio de água no interior, algum combustível também. A comida estava toda espalhada e havia muitas coisas estragadas. Mudámos praticamente tudo no interior. Motor, ligações eléctricas, velas... o casco também tinha estragos, tivemos de o recuperar com fibra de carbono”, recordou Paul Meilhat, em conversa com o PÚBLICO. Foi uma corrida contra o tempo para recuperá-lo: em Novembro de 2016 o velejador francês ia participar na Vendée Globe, considerada a mais dura prova de vela do mundo – uma volta ao mundo em solitário, sem escalas e sem assistência – e antes disso, em Abril (apenas quatro meses depois do acidente nos Açores), participaria numa regata transatlântica de preparação para esse desafio.

Passar semanas a fio sozinho, em alto mar, não é novidade para o velejador francês de 35 anos. Mas Meilhat admite que é sempre um desafio e não é fácil controlar as emoções: “Costumo dizer que, quando estamos no mar, os sentimentos são exacerbados. Quando estamos tristes, estamos profundamente tristes. E quando estamos felizes, estamos verdadeiramente felizes. Por vezes é duro, há momentos em que surgem muitos problemas. Mas se os conseguimos resolver ficamos contentes, sentimo-nos fortes e orgulhosos. Claro que é necessário haver uma rede de suporte, sei que conto com a minha equipa e que tenho muito público a assistir às provas, isso dá-me energia para chegar ao final e ir além dos limites.”

No fundo, reconheceu Paul Meilhat, independentemente da dimensão das contrariedades, o instinto do velejador faz com que anseie sempre pelo regresso ao mar. “É curioso que, quando andamos a velejar em alto-mar, com condições difíceis, ficamos contentes por regressar a terra. Mas alguns dias depois já estamos prontos para partir outra vez. Mas isso é bom, porque assim estamos sempre contentes”, disse com um sorriso.

A dureza das regatas em solitário implica uma preparação física condizente. “Quatro vezes por semana faço ginásio, nado, ando de bicicleta”, explicou Meilhat. A juntar a isso há a “preparação técnica, específica da vela”. “Não posso ser especialista em tudo o que diz respeito ao barco, mas tenho de aprender e estar preparado para reparar qualquer problema que surja. Passo muito tempo na água, mas também na doca, com a equipa, para conhecer o barco. Sistemas informáticos, reparações... Tenho de conhecê-lo muito bem para, quando acontecer alguma coisa, ter uma solução rapidamente”, concluiu o velejador francês.

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