Mulheres, corrida e nutrição

Quando falamos de desporto e nutrição na mulher há um tópico que sobressai: a Tríade Feminina.

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De uma forma geral, a equidade entre homens e mulheres tem vindo a ser conquistada progressivamente. No caso particular do desporto, os Jogos Olímpicos de 1900 em Paris constituíram um marco histórico por serem os primeiros a permitir a participação de mulheres. As mulheres podiam competir em 5 modalidades: ténis, vela, croquet, equestre e golfe. A participação feminina nos Jogos tem vindo a aumentar ao longo dos tempos; nas últimas Olimpíadas (Londres, 2012) 44% dos participantes eram do sexo feminino.

No que diz respeito ao atletismo, os Jogos Olímpicos de 1928 em Amesterdão marcaram uma nova era para as atletas femininas por serem os primeiros Jogos a permitirem a participação de mulheres em eventos de atletismo. Durante os 32 anos seguintes, a distância máxima permitida para mulheres era de 200 m, uma vez que a Comissão Olímpica Internacional era da opinião que distâncias maiores eram demasiado extenuantes para a constituição da mulher. Só em 1960 houve permissão para as mulheres competirem nos 800 m, seguida da inclusão dos 1500 m em 1972. A primeira maratona feminina viria a acontecer nas Olimpíadas de 1984, no mesmo ano em que foram introduzidos os 3000m. Os Jogos Olímpicos de 2012 em Londres, com a adição do boxe feminino, foram os primeiros Jogos a terem participação feminina em todas as modalidades do programa olímpico. Actualmente (e desde 1991), qualquer novo desporto terá de obrigatoriamente abranger eventos femininos caso queira ser incluído no programa olímpico.  

Quando falamos de desporto e nutrição na mulher há um tópico que sobressai: a Tríade Feminina (ou Tríade da Mulher Atleta, ou ainda Tríade da Atleta Feminina, apesar da redundância). O Colégio Americano de Medicina Desportiva define-a como a inter-relação entre três componentes: disponibilidade energética, função menstrual e densidade mineral óssea. As manifestações clínicas mais extremas são o desenvolvimento de distúrbios alimentares, amenorreia (ausência do ciclo menstrual por um tempo superior a 90 dias) e osteoporose. Este Colégio defende que as atletas estão distribuídas ao longo de um espectro entre a saúde (óptima disponibilidade energética, eumenorreia (ciclos menstruais regulares) e óptima saúde óssea) e doença (já enumeradas em cima), sendo que as condições clínicas enumeradas poderão não se manifestar em simultâneo. 

Mais recentemente, o Comité Olímpico Internacional sugeriu alterar a denominação deste conceito para Deficiência Relativa em Energia no Desporto (Relative Energy Deficiency in Sport, RED-S), por considerar ser um termo mais abrangente, que melhor espelha a complexidade envolvida e pelo facto de atletas masculinos também poderem ser afectados. A RED-S é um conceito expandido da Tríade que, para a além da disponibilidade energética, função menstrual e saúde óssea, inclui outros aspectos fisiológicos que poderão ser afectados, nomeadamente a taxa metabólica, imunidade, síntese proteica, e saúde cardiovascular e psicológica. Assim, considera-se que o fenómeno clínico não é apenas uma tríade, mas uma síndrome, que poderá afectar vários aspectos fisiológicos, a saúde e o rendimento desportivo. 

Independentemente da definição, a causa desta síndrome parece ser a baixa disponibilidade energética. A disponibilidade energética refere-se à energia ingerida menos a energia despendida no exercício físico e é a quantidade de energia que fica disponível para outras funções fisiológicas que não o exercício. Uma baixa disponibilidade energética pode, assim, ser causada por uma redução na energia ingerida ou por aumento da energia despendida.

A maioria dos efeitos negativos parece ocorrer quando a disponibilidade energética é inferior a 30 kcal/kg de massa isenta de gordura/dia. Assim sendo, uma parte crucial do tratamento da RED-S passa por aumentar a disponibilidade energética, aumentando a ingestão alimentar, reduzindo o exercício físico, ou através uma combinação de ambas as estratégias. Outras intervenções específicas poderão ser necessárias, como o ajuste das quantidades diárias de proteína e hidratos de carbono, a inclusão de exercícios com impacto e exercícios de força, suplementação em cálcio, vitamina D e vitamina K e terapia farmacológica.

Apesar desta descrição muito simplista, a RED-S é um fenómeno complexo e em ampla discussão. Assim que identificada, o atleta deverá ser acompanhado por uma equipa multidisciplinar e experiente em desporto, incluindo médico, nutricionista, psicologista, fisioterapeuta e fisiologista. O reconhecimento, o tratamento, mas também a prevenção do desenvolvimento da RED-S deverão ser uma prioridade para quem trabalha com atletas. 

 

*Mónica Sousa, nutricionista na componente desportiva, colaborou com a Federação Portuguesa de Atletismo. Foi nutricionista da equipa de futebol sénior do Vitória de Setúbal e colaborou com a Federação Portuguesa de Natação, entre outras modalidades. Doutorada em Ciências do Desporto, especificamente na área de nutrição no desporto de alto rendimento
Qualquer dúvida ou questão pode ser enviada por email para monicasousa.ionline@gmail.com 

 

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