Mudar de vida (e de adversário)

Não vale a pena entrar em comparações entre este jogo e o encontro de estreia de Portugal na Taça das Confederações. Por duas razões óbvias: a selecção nacional mudou e, acima de tudo, o calibre do adversário também. O que importa, isso sim, é reflectir sobre a forma como o campeão europeu se impôs ao anfitrião do torneio, como o “retirou do campo” durante uma hora e como soube esperar pelo momento certo para investir sobre o último terço.

Das quatro novidades lançadas no “onze”, Bruno Alves foi, naturalmente, a que menos impacto causou, num contexto em que Portugal teve muito controlo, muita bola e raramente se expôs nas transições defensivas. Adrien Silva trouxe consigo uma ligação mais directa com William no miolo (fruto dos automatismos no Sporting), Bernardo Silva introduziu no jogo menos verticalidade e mais movimentos interiores de qualidade, André Silva voltou a funcionar como um parceiro fiável para Ronaldo, controlando também com critério as zonas e os timings de pressão na saída de bola da Rússia. 

O espelho das boas escolhas de Fernando Santos foram 60 minutos de total domínio português. Com um 4x4x2 muito ligado (os sectores estiveram quase sempre próximos), Portugal conseguiu facilmente tirar partido da qualidade técnica de André Gomes, Adrien e Bernardo Silva para construir a partir de trás, uma tarefa também facilidade pela dificuldade do adversário em definir o momento do pressing. E foi a trocar a bola com facilidade que o campeão europeu chegou ao golo, graças a uma rápida variação do centro do jogo por parte de Bernardo à qual os russos não responderam atempadamente.

A perder ao intervalo, Stanislav Cherchesov fez subir o bloco no segundo tempo, lançando também Erokhin (mais dinâmico) para o lugar de Shishkin. A Rússia mantinha o 3x4x3 com que iniciara a partida, mas começava a tentar operar no meio-campo contrário. E à medida que Portugal foi recuando, o anfitrião foi mostrando atributos, desenhando a sua melhor jogada ofensiva aos 61’, numa transição que não deu em golo porque Smolov não chegou por milímetros ao cruzamento tenso de Samedov.

O adiantamento do adversário abria outra perspectiva à equipa portuguesa: a transição ofensiva e a exploração da profundidade. Com André Gomes mais interventivo, a funcionar quase sempre como terceiro homem no ataque ao último terço (Bernardo pasou a cuidar mais da primeira fase de construção), Portugal conseguiu criar uma mão-cheia de sobressaltos a Akinfeev, cada vez mais expostos pelo assumir do risco colectivo com um posicionamento mais audaz.

No último quarto de hora, os seleccionadores optaram por ideias diferentes. Com a entrada de Gelson e a saída de André Silva, Fernando Santos procurou a velocidade e verticalidade do extremo, deixando Ronaldo como única referência no eixo. Do lado oposto, Cherchesov lançou Poloz para fazer dupla com Smolov no ataque, alargando o “assalto” da Rússia à área portuguesa — e causando problemas que até então não se tinham vislumbrado.

Num torneio de muito curta duração, Portugal cumpriu a premissa de ir gerindo recursos e de manter bem vivo o apuramento para as meias-finais. Uma lógica para manter diante da Nova Zelândia?

 

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