Luís Filipe Vieira e a inconstitucionalidade das custas do Tribunal Arbitral do Desporto

Numa perspectiva mais incauta e pouco profunda, poderia ponderar-se a seguinte questão: o que têm o Presidente do Sport Lisboa e Benfica e o problema legal das custas do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) em comum?

Na verdade, é possível responder de forma simples: aparentemente nada, mas afinal de contas tudo. Sem abordarmos o mérito do recentemente publicado acórdão n.º 30/2016 do TAD, que se encontra – segundo consta publicamente – em recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul, podemos encontrar, na parte final da decisão, uma questão muito importante que pode facilmente passar despercebida.

A problemática que aqui abordamos não é propriamente nova: já a aflorámos em O Regime Jurídico do Tribunal Arbitral do Desporto, 2016, pp. 131 e ss. e também neste jornal. Todavia, o problema da inconstitucionalidade das custas do regime jurídico que rege o TAD em sede de arbitragem necessária ganhou uma particular actualidade em virtude da decisão do colégio arbitral no acórdão n.º 30/2016 – e seguido um dia depois pelo acórdão n.º 27/2016 –, e que, nessa medida, merece um primeiro escrutínio.

De forma inédita – tanto quanto tenhamos conhecimento, pois algumas das decisões do TAD são confidenciais – o colégio arbitral cita expressamente uma passagem de um acórdão de 20 de Maio de 2010 do Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se afirma que: «[a]o estabelecer o custo do serviço público de justiça, o legislador ordinário tem de equacionar diversos factores. Desde logo há que ter presente que está em causa um serviço público essencial vocacionado para a concretização do direito de acesso aos tribunais com assento no artigo 20º CRP. E o custo da justiça não pode ser tão elevado que não seja acessível ao comum das pessoas, ao cidadão médio, pelo que o legislador não pode adoptar soluções de tal modo onerosas que impeçam o cidadão médio de aceder à justiça».

Se olharmos com frieza para a decisão arbitral do TAD, encontramos aqui um juízo expresso de aceitação do problema da (in)constitucionalidade das custas e, acima de tudo, de afirmação explícita de que as custas (pelo menos algumas delas) decorrentes do regime jurídico do TAD são, no âmbito da arbitragem necessária, inconstitucionais.

Curiosamente, este reconhecimento da inconstitucionalidade das custas é um passo corajoso – e que saudamos –, mas que, infelizmente, tem um âmbito limitado e é só efectuado relativamente às respeitantes ao processo cautelar que foi proposto por Luís Filipe Vieira (e que visava acautelar a não produção dos efeitos da sanção disciplinar), efectuando, assim, uma redução dos encargos do processo cautelar em 50% do montante a pagar.

Em todo o caso, parece-nos que o raciocínio efectuado pelo colégio arbitral é insuficiente no que toca às custas da acção principal (a taxa de arbitragem e os encargos com o processo arbitral). É que a mesma argumentação pode ser feita, igualmente, para todas as custas que possam ser exigíveis com a proposição de uma acção junto do TAD e também as que sejam devidas no final do processo.

Na verdade, os montantes aqui em causa são manifestamente desproporcionais, em particular, se tivermos em conta os que seriam pagos se, porventura, as partes pudessem propor uma acção junto dos tribunais administrativos (aqueles que eram anteriormente competentes). Não existem dúvidas de que as custas do TAD são substancialmente superiores às dos tribunais administrativos.

Não é, por outro lado, aceitável argumentar que existe a susceptibilidade de utilização do mecanismo de apoio judiciário para um conjunto alargado de situações de carência económica. Basta (e ignorando aqui a jurisprudência do Tribunal Constitucional e a doutrina) atentarmos para o parágrafo seguinte ao que fora citado pelo TAD para fundar a redução dos encargos do processo cautelar, afirmando-se no já mencionado acórdão do TRL que: «[n]em se diga que para os casos em que a taxa de justiça seja particularmente elevada deve ser accionado o instituto do apoio judiciário. É que este instituto está vocacionado para a protecção dos economicamente carenciados, não devendo ser desvirtuado na sua essência para colmatar situações de insuficiência económica decorrente de um montante de custas exorbitante, que esteja fora das posses da generalidade dos cidadãos». Concluindo que: «[e]m suma, o direito de acesso aos tribunais pressupõe, pois, custos razoáveis, mesmo para os cidadãos mais abastados».

A decisão relativa a Luís Filipe Vieira parece abrir uma janela, mas, na verdade, o que faz é precisamente escancarar uma porta que se manifesta, em geral, na possibilidade de redução das custas pelos próprios árbitros com fundamento na inconstitucionalidade daquela. Vejamos agora o que acontece se, por hipótese, uma das partes invocar a inconstitucionalidade de todo o regime jurídico das custas do TAD (de todas sem excepção) com fundamento na sua especial onerosidade. A solução prevista no acórdão n.º 30/2016 permite, sem grande habilidade jurídica, fundar inclusivamente uma argumentação do género e, por conseguinte, uma redução das custas. Está aberto o precedente.  

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