Leicester City, um campeão para os românticos do futebol

O Tottenham não foi capaz de derrotar o Chelsea, em Stamford Bridge, fazendo com que a equipa de Claudio Ranieri chegasse ao seu primeiro título na Premier League.

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Os jogadores do Leicester no último jogo da equipa, em Old Trafford OLI SCARFF/AFP
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Os adeptos do Leicester festejaram o empate a dois golos do Tottenham no terreno do Chelsea Reuters / Eddie Keogh

Quando Claudio Ranieri foi anunciado como treinador do Leicester City, a pergunta que muitos adeptos fizeram foi: este não é o tipo que perdeu duas vezes com as Ilhas Feroé quando era seleccionador da Grécia? “A sério?”, foi a reacção imediata no Twitter de Gary Lineker, adepto confesso e antigo avançado do clube. Toda a gente dava o Leicester como o principal candidato à despromoção, especialmente com a liderança de um italiano itinerante que nunca tinha ganho nada em lado nenhum. O que aconteceu nos dez meses seguintes desafiou toda a lógica e acabou com um final perfeito para os românticos do futebol, consumado nesta segunda-feira com o empate a dois golos do Tottenham no terreno do Chelsea. O Leicester, a equipa em que ninguém acreditava, com um treinador em quem ninguém confiava, e com jogadores que ninguém conhecia, é o novo campeão de Inglaterra.

A história do Leicester é extraordinária por todos os motivos e mais algum. É verdade que poucos campeonatos terão uma diversidade de campeões tão grande como o inglês (o Leicester é o 24.º; Inglaterra já não tinha um campeão novo desde o Ipswich de 1962), mas apenas quatro equipas foram campeãs nas 20 temporadas anteriores (Manchester United, Manchester City, Chelsea e Arsenal), e o Leicester, na temporada passada por esta altura, ainda não tinha a manutenção garantida. E se se tiver em conta que o Leicester despediu o treinador Nigel Pearson a mês e meio do início da época devido ao envolvimento do filho (jogador do clube) num escândalo sexual na Tailândia, mais incrível esta história se torna. E a forma como nesta segunda feira, o sonho se tornou realidade - o Tottenham chegou a estar a ganhar por 2-0 em Stamford Bridge, acabando por consentir o empate a dez minutos dos 90 e, assim, permitir a festa em Leicester - é mais um exemplo disso mesmo.

“Toda a gente sabe como o Leicester joga, mas ninguém os consegue parar”, dizia, e com razão, Quique Sanchez Flores, treinador do Watford, depois de também não ter conseguido parar a equipa das East Midlands. E só duas equipas conseguiram, efectivamente, travar o Leicester na Premier League, o Liverpool e o Arsenal, por duas vezes. Sem o peso das competições europeias e eliminações precoces nas duas taças internas, o Leicester só teve de se preocupar com o campeonato e Ranieri, que era conhecido em Inglaterra como o “Tinkerman” por mexer muito nas equipas, conseguiu estabelecer um “onze” base para quase toda a prova, sendo aquele que menos jogadores utilizou (23) na Premier League – Louis van Gaal, por exemplo, utilizou 33 jogadores diferentes no Manchester United.

Jogadores como Jamie Vardy, N’Golo Kanté, Danny Drinkwater ou Riyad Mahrez passaram de perfeitos desconhecidos a “estrelas” de primeira grandeza que ofuscaram algumas das contratações milionárias da Premier League. O sucesso improvável do Leicester também se avalia por aqui, pelo que (não) gastou em transferências. Entre as 20 equipas da Premier League, o Leicester foi apenas a 13.ª que mais gastou, com 37,62 milhões de libras nas duas janelas de transferência, cerca de um quarto do volume de compras do Manchester City (152 milhões), e até bastante menos do que o já despromovido Aston Villa (49 milhões). O sucesso no recrutamento foi tal, que o Arsenal foi “roubar” o chefe de “scouting” do clube, mas em Inglaterra diz-se que os “gunners” contrataram a pessoa errada.

Claro que o Leicester contou também com o colapso colectivo dos habituais candidatos ao título para esta tempestade perfeita que acabou em triunfo. Os dois de Manchester, o Arsenal, o Chelsea e o Liverpool foram todos demasiado inconsistentes para fazer sombra aos homens de Ranieri. A maior concorrência acabaria por vir do Tottenham, que também teve uma época de sonho, com uma equipa jovem e muito inglesa liderada por Mauricio Pochettino a praticar um futebol atraente que muitos observadores entendem ser de maior qualidade que o Leicester do contra-ataque e das bolas paradas.

E como será o Leicester de 2016-17? Vai-se estragar com os milhões do novo negócio das transmissões televisivas, mais os da Champions e o das transferências milionárias que, por certo, irá fazer? A pré-época já é um sinal do que aí vem. Na preparação para 2015-16, as “raposas” jogaram contra Lincoln City, Mansfield Town, Burton Albion, Roterham United e Birmingham City, a próxima pré-época será na International Champions Cup ao lado de Real Madrid, Barcelona, Bayern Munique, AC Milan, PSG, entre outros “grandes” do futebol europeu, uma amostra do que irá enfrentar na Liga dos Campeões, em que será cabeça-de-série.

Uma certeza é a de que Leicester, a terra de Graham Chapman (Monty Python), de David e Richard Attenborough, de Engelbert Humperdinck, de Ricardo III e de Adrian Mole, passou a ser conhecida também pelo futebol e pode servir como exemplo para outros “pequenos” que se queiram meter nas lutas habitualmente reservadas a um grupo restrito de equipas. E de acordo com o modelo do Leicester, muitas irão por certo começar a esmiuçar as divisões inferiores de Inglaterra em busca do próximo Jamie Vardy, a prestar mais atenção às equipas da segunda divisão francesa para encontrar o próximo Kanté e olhar para treinadores veteranos no desemprego para resgatar um novo Ranieri.

Outra certeza ainda é a de que apostar dinheiro num Leicester campeão será menos rentável na próxima época do que foi nesta para alguns visionários inconscientes. Um deles foi Leigh Gilbert, um carpinteiro de 39 anos de Leicester, que ganhou 25 mil libras com uma aposta inicial de apenas cinco e que foi até ao fim, ao contrário de outros que aceitaram as propostas das casas de apostas de resgatarem a aposta inicial por uma verba inferior ao que poderiam ganhar. Gilbert contou ao “Guardian” que foi até ao fim porque confiava em Ranieri: “Achei que ele, com toda a sua experiência, podia ajudar. Mas tenho de admitir que naquela noite [da aposta] já tinha bebido uns copos.”

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