Foi uma luta para Majlinda Kalmeni ser campeã pelo país onde nasceu

A primeira medalha olímpica do Kosovo, estreante nos Jogos Olímpicos, foi de ouro e aconteceu no judo feminino.

Apesar de já ter estado nos Jogos de Londres, em 2012, só agora Majlinda Kalmendi competiu pelo seu país
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Apesar de já ter estado nos Jogos de Londres, em 2012, só agora Majlinda Kalmendi competiu pelo seu país REUTERS/Toru Hanai
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Majlinda Kalmendi já usou dois autocolantes diferentes nas costas do quimono das duas vezes que participou em Jogos Olímpicos. Há quatro anos, ALB eram as três letras que tinha nas costas e que indicavam que competia pela Albânia, mas só porque ainda não podia ter as letras do país onde nasceu, KOS. No Rio de Janeiro, essas letras estão nos Jogos pela primeira vez e a judoca de 25 anos entrou para a história porque ganhou a primeira medalha para o Kosovo, para um país que nem toda a gente reconhece como tal. E foi logo de ouro.

Era um resultado já esperado, mas não deixou de ser histórico. Kalmendi era a bicampeã mundial, invencível na categoria de -52kg e considerada uma das melhores judocas da actualidade, mas só no Rio teve direito a ser do Kosovo no palco olímpico. Como se previa, Kalmendi arrasou até ao ouro, derrotando sucessivamente a suíça Evelyne Schopp, a mauriciana Christianne Legentil, a japonesa Misato Nakamura e, na final, a italiana Odette Giufridda. Depois, ouro ao pescoço (por Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional), mais hino kosovar tocado e bandeira erguida no Arena Carioca, tudo coisas que nunca tinham acontecido nos Jogos Olímpicos.

Há quatro anos, em Londres, tudo foi diferente. Kalmendi era uma promissora judoca mas teve de integrar a comitiva da Albânia por o Comité Olímpico Internacional (COI) não reconhecer o Kosovo como nação olímpica. Jacques Rogge, então o presidente do COI, resistiu a este reconhecimento, à semelhança do que acontecia nas Nações Unidas (ONU) – China, Rússia e Sérvia estavam entre os países contra o reconhecimento –, e também não deixou a judoca competir como atleta independente. Assim, foi como albanesa que Kalmendi perdeu na segunda ronda frente à mauriciana Legentil no seu primeiro contacto olímpico.

Se tivesse ganho alguma medalha olímpica pela Albânia em Londres, não teria o mesmo significado para Majlinda. “Tive algumas ofertas de outros países para representá-los e rejeitei-as só para sentir o que senti hoje”, disse após tudo ter acontecido, após ter ficado alguns segundos ajoelhada no tapete e de cabeça escondida quando o título olímpico já era uma certeza. Chorou logo ali no tapete após ganhar à sua adversária italiana com uma vantagem mínima num combate que durou os cinco minutos.

Majlinda quer dizer nascida em Maio e foi a 9 de Maio de 1991 que nasceu, em Pec, cidade perto da fronteira com Montenegro. Tinha apenas sete anos quando aconteceu a guerra do Kosovo que iria provocar cerca de dez mil mortos e êxodo em massa da população. Foi por esta altura que começou a praticar judo, com Driton Kuka, ex-judoca e ex-militar – esteve, inclusive, perto de representar a Jugoslávia nos Jogos de Barcelona em 1992, mas seria banido da equipa; a própria Jugoslávia também seria banida desses Jogos.

A jovem judoca começou a destacar-se a nível internacional, ganhou títulos de juniores, mas o Kosovo, que se declarou independente, não tinha o tal reconhecimento internacional que lhe permitisse ser uma nação olímpica. Mas a Federação Internacional de Judo (IFJ) deu-lhe esse reconhecimento e foi no Rio de Janeiro, em 2013, que a atleta kosovar conquistou o seu primeiro título mundial. Dois anos depois, nos Mundiais de Cheliabinsk, na Rússia, não teve KOS nas costas porque a Rússia não reconhecia (e não reconhece) a autonomia do Kosovo. Como solução de compromisso, a judoca aceitou lutar com a sigla IJF nas costas.

No Rio de Janeiro, cidade emblemática de um país que também não reconhece o Kosovo como independente, Majlinda Kalmendi confirmou o seu estatuto, como desportista de eleição e algo mais, a mais destacada dos oito pioneiros kosovares que vieram aos Jogos Olímpicos. “Algumas coisas só acontecem uma vez e isto foi uma dessas coisas. Provei que se pode ser campeão olímpico se se vier de um país pobre. Somos só oito atletas, mas já temos uma medalha de ouro. Sempre quis mostrar ao mundo que o Kosovo não é apenas um país que sobreviveu a uma guerra.”  

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Reuters
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