“Ficámos eufóricos com a Inglaterra, mas mais tarde veio a desilusão com Marrocos”

Jaime Magalhães, ex-jogador do FC Porto, participou no Mundial 1986 e, em entrevista ao PÚBLICO, critica a preparação de Portugal para esse torneio.

Foto
Jaime Magalhães, um dos atletas do FC Porto que jogou o México 86 JOSÉ ROCHA

O Mundial do México de 1986 é sinónimo de Maradona (cinco golos e cinco assistências pela campeã Argentina). Para Portugal, é sinónimo de Saltillo, onde decorreu a preparação instável da selecção, da estreia triunfante com a Inglaterra (1-0) e de uma saída sem honra aos pés de Marrocos (1-3). A selecção africana tornou-se a primeira daquele continente a sobreviver à fase de grupos de um Mundial, graças em grande parte ao triunfo sobre a equipa orientada por José Torres. Jaime Magalhães, símbolo do FC Porto, foi utilizado em dois dos três jogos, e recorda-se de uma preparação pouco profissional.

A qualificação para o Mundial do México foi difícil, mas a preparação para a fase final foi mais complicada. Foi tão má como se diz?
No Europeu de 1984 também houve muitos problemas. No Mundial 1986, o ‘único’ problema foi a derrota com Marrocos. Foi a bola entrar ou não entrar. Contra Marrocos precisávamos apenas do empate, mas perdemos. Se tivéssemos seguido para os oitavos-de-final não se tinha ficado a saber de nada. A preparação foi uma palhaçada, a organização foi zero. Em Saltillo, treinámos em campos cheios de buracos, num campo inclinado. Não tivemos jogos de preparação. Para um treino de conjunto, arranjaram-nos um jogo contra uma equipa de empregados de mesa. As reclamações e reivindicações que fizemos, o barulho que fizemos, foram para que os que viessem a seguir a nós na selecção tivessem condições, como acabou por acontecer.

Contudo, a “guerra” entre os jogadores e a federação por causa dos prémios de jogo e das diárias foi pública…
Não foi uma guerra. O que aconteceu foi uma falta de organização desde o princípio. Sempre avisámos que queríamos tratar disso em Portugal. A resposta da Federação era sempre: ‘Amanhã, amanhã’. No Europeu 1984, segundo sei, houve até mais problemas, mas como Portugal ficou em terceiro lugar não se soube de nada. Se em 1986 tivéssemos conseguido o apuramento para a segunda fase também não se discutiria esta questão.

Mas Portugal até entrou no Mundial a vencer. A desorganização na preparação foi mesmo um factor decisivo na curta campanha no México?
Teve toda a influência. Não correu bem desde os treinos em Lisboa, não houve organização nenhuma.

Portugal ganhou à Inglaterra e depois perdeu com Polónia e Marrocos. Como foi essa fase de grupos?
A Inglaterra era uma equipa muito boa, mas a Polónia também era fabulosa. Naquela altura era uma selecção de topo [3.ª do Mundial anterior]. Infelizmente, com a Polónia, no segundo jogo, sofremos um golo e não conseguimos dar a volta. Começámos com a Inglaterra. Foi uma excelente vitória. Ficámos eufóricos com o triunfo, parecia que se tinha ganho o Campeonato do Mundo, mas mais tarde veio a desilusão com Marrocos. Esse jogo foi em Guadalajara, realizado num clima muito seco, muito hostil. Creio que os marroquinos estavam mais habituados àquelas condições e correram muito mais do que nós, acabando por ganhar.

Havia qualidade para chegar mais longe na competição?
Penso que sim, porque tínhamos uma excelente equipa, com uma base do FC Porto, mas também muito jogadores do Benfica e alguns do Sporting.

Estar num Campeonato do Mundo é o auge da vida de um futebolista?
É o culminar de uma carreira. Um jogador que não vai ao Mundial praticamente passa despercebido, salvo algumas excepções óbvias.

O plantel de 1986 foi o último que representou o país num Mundial só com jogadores de clubes portugueses. Esse é um factor de coesão no grupo ou não faz diferença?
Essa era uma das principais razões de existir um conhecimento muito grande entre nós. Na actualidade, [a mudança constante de clube] contribui para se perder a mística tanto nas equipas como nas selecções. Mas as condições são as mesmas para quase todos. As coisas são muito diferentes no futebol hoje em dia. As botas, as bolas, os equipamentos, as transmissões televisivas, tudo… Não há comparação possível.

O México 1986 foi mesmo o Mundial de Maradona?
Concordo com a opinião geral. A figura principal foi, sem dúvida, o Maradona, que, na minha opinião, levou a Argentina ao colo.

Qual é a grande diferença entre o grupo de convocados de 1986 e o de 2014?
Nós tínhamos uma equipa homogénea, éramos todos idênticos, não havia ninguém que se destacasse muito. Actualmente, temos o Cristiano Ronaldo, um jogador que não há igual. Estamos todos preocupados se conseguirá estar a 100% contra a Alemanha. É um jogador que vai ficar para a história e que por isso influencia o rendimento da equipa.

Sugerir correcção
Comentar