“Escolhi não prejudicar o ciclismo e, para tal, a melhor opção é estar calado”

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Héctor Guerra era um dos ciclistas mais apreciados no pelotão nacional, pela inteligência, simpatia e atitude completamente anti-vedeta. Mas, a 18 de Setembro de 2009, o rasto do espanhol perdeu-se. Conhecido o positivo por EPO na Volta a Portugal de 2009 (o dele e o de Nuno Ribeiro e Isidro Nozal), Guerra mergulhou num profundo silêncio para proteger a modalidade que era a sua vida. Sete anos depois, o PÚBLICO redescobriu-lhe os passos. Aos 37 anos, o madrileno é um triatleta ganhador, um bombeiro em formação e um profundo desconhecedor do ciclismo português.

Quando foram conhecidos os três positivos da Liberty Seguros na Volta a Portugal, escolheu calar-se. Por que preferiu o silêncio a defender-se?
Era a equipa que tinha a obrigação de nos ter defendido nesse momento, mas eles optaram pelo caminho mais fácil, que foi despedir-nos e extinguir a Liberty Seguros. Acabámos por ser nós a ficar com a batata quente e cada um ‘geriu-a’ como pode. No meu caso, escolhi não prejudicar o ciclismo e, para tal, a melhor opção é estar calado.

Depois daquele 18 de Setembro, desapareceu do radar do pelotão nacional. Ninguém sabia onde estava, o que fazia. Cortar todos os laços com a modalidade, com os antigos colegas de profissão foi uma opção fácil ou chegou a ponderar recuar e voltar ao ciclismo?
Tomei a decisão rapidamente. Decidi que não voltaria a ser ciclismo profissional. Passei momentos duros, mas na vida tudo se supera.

Suponho que o ciclismo, mais do que uma profissão, era uma paixão. A modalidade desiludiu-o?
Quando és miúdo e começas a praticar, o ciclismo é uma paixão. É a tua vida. Abdicas de muitas coisas para chegares a profissional e alcançar essa meta não é nada fácil. Se estou desiludido ou magoado? Penso que não é com o ciclismo que tenho de estar triste ou zangado. Este é um desporto que te ensina a teres espírito de sacrifício e a seres disciplinado e essas são lições que levo para a vida.

Ainda sente falta do ciclismo e dos seus antigos colegas?
Tens sempre saudades daquela que foi a tua grande paixão e das pessoas com que partilhaste tantos momentos. Ainda assim, agora, olhando à distância, sei que tanta tensão e sofrimento não compensam.

O desporto acompanhou-o durante toda a vida. Quando alguém foi atleta, e atleta de elite, não consegue deixar de sê-lo?
O desporto é uma forma de vida muito difícil de mudar. Podes ter mais ou menos tempo para praticá-lo, mas nunca deixas de ser desportista.

Quando abandonou a sua profissão, que rumo tomou a sua vida?
Rapidamente decidi o que queria e não estive muito tempo parado. Decidi que queria ser bombeiro. Curiosamente, por distintas circunstâncias, está-me a custar mais sê-lo do que ganhar uma etapa da Volta a Portugal.

Como aconteceu a sua transição para o triatlo?
A transição aconteceu quase por acaso. Quando comecei o curso de bombeiro, tive de praticar natação e corrida. No início, era um desastre nesses dois desportos, no entanto, pouco a pouco, fui melhorando.

E as vitórias chegaram logo nas primeiras provas?
Nestes anos, tenho conciliado o triatlo com as provas do curso. A verdade é que, depois do difícil que foi conquistar o primeiro triunfo no ciclismo, no triatlo as vitórias vieram muito mais rápido.

Já ganhou vários títulos, compete em provas Ironman… O que diria que é o mais duro deste desporto?
Ao contrário do que possam pensar, esta não é uma modalidade especialmente dura, apesar de ter três disciplinas. O treino é bastante suportável, ainda que em certos momentos tenhas dores em todas as partes do corpo. O ciclismo é o desporto mais duro que existe e quando estás acostumado a ele, praticar outra modalidade é razoavelmente simples.

Qual é a beleza do triatlo? O que lhe deu de bom?
Neste desporto pude desenvolver a minha faceta de treinador, algo que não experimentei no ciclismo. Pode ser que no futuro venha a ser só treinador, inclusivamente porque agora grande parte dos meus treinos são com as pessoas que oriento. Tento incutir as especificidades do treino de alto nível a amadores. Digo-lhes “se tens uma hora por dia para treinar, fá-lo como se fosses um desportista de alto rendimento, porque isso permite-te melhorar mais depressa. Agora, os resultados ou as vitórias das pessoas que ajudo realizam-me mais do que as minhas próprias, o que me enriquece como pessoa.

Com tantos troféus em casa, ainda consegue encontrar novas metas? Estipulou objetivos a curto/médio prazo?
Está a começar um novo período de provas e exames do curso, pelo que terei de conciliar a competição com os estudos e será difícil. Já defini um desafio para 2017, mas prefiro mantê-lo em segredo.

Mudou de modalidade, mas continua a ganhar em Portugal [é bicampeão do triatlo de Lisboa]. Tem um idílio com este país?
Confesso que Portugal me traz recordações muito bonitas. Sinto-o como se fosse o meu segundo país. Ganhar a um português, em Portugal, é uma tarefa muito complicada ou quase impossível. O segredo é que, após tantos anos por cá [representou a Liberty Seguros entre 2005 e 2009], já sou da casa.

Ainda acompanha o ciclismo português?
Nem sei quais são as equipas…

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