Dirk Kuyt, chegaram ao fim as pilhas do "Sr. Duracell"

Extremo holandês anunciou nesta quarta-feira o final da carreira, depois de ter conquistado o título pelo Feyenoord.

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Reuters/MICHAEL KOOREN

"Senhor Duracell". A alcunha é pouco surpreendente, mas encaixa como uma luva no perfil de Dirk Kuyt. O extremo incansável que fez história na selecção da Holanda, o todo-o-terreno que deixou saudades em Liverpool, o jogador combativo que se integrou sem dificuldades em Istambul disse, nesta quarta-feira, "genoeg". Basta, em português. Aos 36 anos, chegou o momento de parar, de seguir o coração, que irá continuar a bater fora dos relvados, agora um pouco mais devagar.

Percebe-se o timing da decisão. Afinal de contas, Kuyt acabou de conquistar o título pelo Feyenoord, algo que não acontecia desde 1999. No passado fim-de-semana, assegurou em dose tripla o triunfo que acabou com as dúvidas: frente ao Heracles, apontou os três golos dos anfitriões (3-1) e confirmou, mais uma vez, o estatuto de um dos grandes futebolistas do clube que os adeptos lhe reconhecem.

"Ao longo da minha carreira, segui sempre o meu coração. Sinto que esta é a altura certa para me retirar. Tive dois anos fantásticos desde que regressei ao Feyenoord. Tinha o sonho de ser campeão e esse sonho realizou-se", justificou, deixando em Roterdão um legado de 163 jogos e 102 golos, divididos em duas etapas distintas (a primeira de 2003 a 2006, a segunda de 2015 até agora).

Nascido e criado na pequena cidade costeira de Katwijk aan Zee, filho de um pai que trabalhava na indústria piscatória, Dirk deu os primeiros passos no Quick Boys, um clube local, que serviu de plataforma de lançamento para o Utrecht. O primeiro contrato profissional assinou-o aos 18 anos e não teve dificuldades em justificar a aposta, ganhando rapidamente protagonismo e um lugar no "onze" de uma equipa que contava, então, com o central Mitchell Van der Gaag.

Mas foi fora do território holandês que Kuyt ganhou outra dimensão, mais concretamente naquele dia de 2006 em que aceitou uma proposta do Liverpool e passou a trabalhar de perto com Rafa Benítez. Em Inglaterra, o primeiro nome, Dirk, transformou-se rapidamente em Derek e a energia que transmitia contagiava os adeptos. De resto, foi essa capacidade de percorrer os 90 minutos com uma intensidade fora do comum que lhe valeu a tal alcunha estampada pelo técnico espanhol.

"Podíamos chamar-lhe Sr. Duracell, pela forma como joga, sempre a correr e sempre ligado ao jogo. Mas sabíamos, quando o contratámos, que era esse tipo de jogador, porque já o fazia há vários anos. Ele tem estado muitíssimo bem, criando ocasiões e marcando golos, mas também ajuda o facto de a equipa ter melhorado", declarou Benítez, em 2009.

Essa não era, porém, a única característica de um jogador generoso dentro e fora do relvado (detém uma fundação para ajudar crianças desfavorecidas). Extremo de raiz, graças à sua rapidez, imprevisibilidade e capacidade de decidir no último terço, era capaz de desempenhar muitas outras funções, desde defesa lateral a avançado centro. A esse respeito, há um jogo pela Holanda que é sintomático. Aconteceu na fase de grupos do Mundial do Brasil, diante do México: nesse dia, Kuyt dividiu os 90 minutos entre as posições de extremo esquerdo, lateral direito e ponta-de-lança.

"Podíamos usá-lo de formas tão distintas que tínhamos quase garantido que jogaria no onze inicial", assinalou, a propósito, Benítez, numa ideia que seria corroborada, noutro contexto, por Johan Cruyff. "A nossa equipa pode considerar-se abençoada por ter alguém como ele em campo. Com Kuyt, podemos, do ponto de vista táctico, caminhar em todas as direcções". 

E que longa foi a caminhada com a camisola da Holanda... Começou em Setembro de 2004, pela mão de Marco van Basten, e percorreu três Campeonatos do Mundo e dois Campeonatos da Europa. Foram 6875 minutos que lhe permitiram juntar-se ao clube dos centenários, com 104 internacionalizações (e 24 golos) que o colocam no sexto lugar de uma hierarquia encabeçada por Edwin van der Sar (130 jogos). Uma década abrilhantada por um segundo lugar no Mundial de 2010 e um terceiro no seguinte.

No período que mediou entre os dois torneios, aterrou na Turquia como uma estrela, para se vincular ao Fenerbahçe, aos 32 anos. E o clube não deu o investimento por perdido, já que o holandês ainda tinha as pilhas carregadas, contribuindo com 95 jogos e 26 golos para a conquista da Taça em 2012-13, da Liga em 2013-14 e da Supertaça nessa mesma época. 

Foi o prelúdio de um regresso anunciado a casa. De Istambul voaria para Roterdão em 2015 à procura de uma despedida em grande. Falou na luta pelo título (e muita gente se riu, confessaria durante os festejos), foi trabalhando com o entusiasmo e a discrição de sempre. No passado fim-de-semana, festejou em campo e no centro da cidade, perante milhares e milhares de adeptos, um campeonato improvável, dado o momento do Ajax. "Todos os meus sonhos se tornaram realidade", confessou. Haverá melhor maneira de fechar um ciclo?

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