De frente e para a frente

O verbo provocar ganhou ao verbo evitar. No carrossel dos desequilíbrios que faz girar a roda do futebol, assistiu-se neste sábado à apoteose do risco, à consagração de uma equipa que, nos momentos decisivos, assume que prefere ter os dois olhos prontos para assistir ao golo na baliza adversária do que estar preocupada em espreitar por cima do ombro à espera do que aconteça na sua. Massimiliano Allegri, o iluminado, acabou ofuscado por Zidane, o catalisador.

Tacticamente, o jogo trouxe poucas surpresas no guião inicial. O Real Madrid, com Gareth Bale no banco, dispôs-se no esperado 4-4-2 losango, com Isco no vértice mais adiantado. A Juventus, na máxima força, organizou-se num 4-2-3-1 que muitas vezes foi um 4-4-2, porque Dybala alinhou frequentemente em linha com Higuaín no ataque. Inicialmente parecia uma nuance, ditada pela provável intenção de condicionar mais a saída de bola dos “merengues”, mas provar-se-ia uma opção falhada.

Vamos por partes. Estava tudo desenhado com nitidez. Os laterais a assumirem a influência de sempre a manobrar por fora, com Alex Sandro e Dani Alves (porque Barzagli é “apenas” um defesa) de um lado e Carvajal e Marcelo do outro. Foi, de resto, das suas acções pelos corredores que nasceram os primeiros golos da partida. Depois, Pjanic a tentar conduzir a Juventus ao ritmo dos passes que raramente entraram e Modric a interceptar bolas e a transportar com o critério de sempre. E foi aqui que o Real começou a ganhar o jogo.

Com um bloco médio/alto, o Real Madrid conseguiu sempre controlar a profundidade e recuperar bolas em zonas adiantadas. A partir daí, a qualidade de Modric e Isco na ligação meio-campo/ataque ditou leis de forma natural, especialmente porque os espanhóis ultrapassavam com mais facilidade do que era esperado a primeira linha de pressão. E ao chegarem com regularidade às costas dos médios, sentiam-se como peixe na água.

Do lado contrário, foi essencialmente isso que faltou. O tal futebol associativo, a tal conexão meio-campo/ataque, que em parte se explica pelo posicionamento mais alto de Dybala. Exímio nas diagonais interiores e a carregar a bola até Higuaín (combinando com Mandzukic ou Dani Alves), para galgar linhas, o argentino eclipsou-se nas costas de Casemiro e Kroos e a dimensão ofensiva do jogo italiano sofreu as consequências.

Aquilo a que se assistiu até ao golo de Casemiro teve pouco a ver, porém, com a meia-hora final. Com a Juventus obrigada a arriscar verdadeiramente, Allegri foi obrigado a mexer. Mas nem Cuadrado (que seria expulso) foi mais incisivo do que Dani Alves (que recuou para lateral) na direita, nem Marchisio assegurou o transporte de bola no miolo que faltara a Pjanic, nem Lemina teve hipótese de promover as acelerações que poderiam colocar a defesa contrária em apuros.

O Real também já tinha baixado um pouco a linha defensiva, resguardando-se até para o futebol mais directo e pelo ar que os italianos tentaram, em desespero, explorar. E quanto mais o jogo se partia, mais Modric e Isco (e mais tarde Asensio e até Bale) navegavam a bel-prazer, rompendo linhas com naturalidade.

Já não era a Juventus que estava em campo. Era uma manta de retalhos. Uma equipa cuja solidez defensiva foi desbaratada pela eficácia de Cristiano Ronaldo e pela visão de Zidane. A visão de quem teima em olhar para a frente.     

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