Clubes europeus são extravagância para milionários estrangeiros

Alguns dos maiores clubes da Europa são propriedade de investidores estrangeiros e esta é uma realidade com tendência para aumentar. Por capricho, por interesse ou por estratégia.

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Nasser Al-Khelaif, o dono do PSG desde 2011 FADI AL-ASSAAD/Reuters

A presença de investidores estrangeiros no futebol europeu já deixou de provocar estranheza. Inglaterra é onde este fenómeno é mais comum, mas os campeonatos de Espanha, Itália e França também começam a revelar-se atractivos para quem tem alguns milhões disponíveis para empenhar numa extravagância, como é a compra de um clube de futebol. Quando, em Junho de 2003, Roman Abramovich passou a ser proprietário do Chelsea, dificilmente imaginaria o que aí vinha: os últimos dados oficiais colocavam o investimento feito pelo russo muito perto da fasquia dos 1500 milhões de euros. E Abramovich até é dono de um clube que tem uma marca global e conquista troféus regularmente, porque há outros que não são mais do que um sorvedouro de dinheiro.

O que leva um milionário a interessar-se por um clube de futebol de outro país, sabendo à partida que dificilmente vai fazer dinheiro com esse negócio? “Pensar que os clubes possam tornar-se em activos geradores de rendimentos, que paguem dividendos todos os anos, é errado, porque não é a forma como eles funcionam. De certa forma, são um bem raro, tal como uma obra de arte, um automóvel clássico ou uma colecção de bons vinhos. A sua escassez e poder de atracção dá-lhes valor intrínseco”, sublinhou Dan Jones, da consultora Deloitte, ao The Wall Street Journal. Em alguns casos o objectivo pode ser a mera ostentação, mas noutros há um propósito financeiro: quando, em 2005, a família norte-americana Glazer adquiriu o Manchester United, fê-lo recorrendo a um empréstimo em nome do próprio clube. Os red devils estão a pagar mais de 750 milhões de euros aos bancos, mas em Setembro foi anunciado que o clube passará a pagar anualmente aos seus proprietários 21,4 milhões de euros a título de dividendos.

O tema da propriedade de clubes por estrangeiros tem provocado debate e preocupação em Inglaterra. Segundo o diário The Guardian, 28 clubes de quatro escalões do futebol inglês são detidos por forasteiros, quase todos eles através de sociedades com sede em paraísos fiscais. No caso do Manchester United, o registo da empresa está nas Ilhas Caimão (a 7592 quilómetros de Old Trafford, o estádio dos red devils), tal como acontece com o Birmingham City, Coventry City e Cheltenham Town.

Contrastes europeus
Numa Liga como a espanhola, que conta com a atracção global de ter os dois melhores jogadores do mundo, só em três clubes há posições maioritárias de investidores estrangeiros: Valência, Málaga e Granada. O Atlético de Madrid cedeu 20% das acções ao empresário chinês Wang Jianlin em troca de 45 milhões de euros. E em Espanha acredita-se que venham a concretizar-se mais investimentos a curto prazo: “Há vários meses que a Liga de Futebol Profissional vem a detectar um incremento no interesse por investir em clubes do futebol espanhol. Em alguns casos recebeu-os na própria sede, onde os interessados foram pedir informação sobre os clubes em que pensam investir. ‘Nos próximos seis ou sete meses vão fechar-se várias operações’, garantem”, podia ler-se, no início do ano, no diário El País.

Em Itália diz-se que só duas equipas e meia estão em mãos estrangeiras. O Inter de Milão foi comprado há dois anos pelo empresário indonésio Erick Thohir e a Roma está nas mãos de um grupo norte-americano liderado por James Pallotta desde Abril de 2011. E Silvio Berlusconi confirmou em Setembro ter chegado a acordo com o tailandês Bee Taechaubol para a venda de 48% do Milan. Na Liga francesa, só dois clubes são propriedade de estrangeiros: o Paris Saint-Germain foi adquirido por uma sociedade do Qatar e o Mónaco foi comprado há quatro anos pelo milionário russo Dmitry Rybolovlev.

Esta é uma realidade impossível de verificar-se no futebol alemão, devido à regra 50+1: para competir na Bundesliga, um clube deve ser detentor da maioria dos seus próprios direitos de voto.

Os cheques dos xeques
Muitos dos milhões que circulam actualmente no futebol europeu têm origem no Médio Oriente. O Manchester City foi adquirido em Agosto de 2008 pelo xeque Mansour Bin Zayed, membro da família real de Abu Dhabi; o Paris Saint-Germain é, desde Outubro de 2011, dirigido por Nasser Al-Khelaif, que foi conselheiro do actual emir do Qatar, o xeque Tamim bin Hamad Al-Thani, que também é uma das figuras-chave da Qatar Foundation, que patrocina as camisolas do Barcelona; um parente do emir, Abdullah bin Nasser Al-Thani, é o proprietário do Málaga. E podia continuar-se a explorar as ligações.

A atracção do Médio Oriente pelo futebol não é inocente. “No caso do Qatar, o documento ‘Visão Nacional 2030’ elegeu o desporto como pilar fundamental do desenvolvimento estratégico da nação. Tal como aconteceu com os EUA, que através de Silicon Valley posicionaram-se no coração da indústria global de investigação e desenvolvimento, o desporto está a ser utilizado da mesma maneira pelas nações emergentes”, analisou Simon Chadwick, da universidade britânica de Coventry, citado pela CNN. A estratégia beneficiou de um empurrão considerável com a atribuição ao Qatar, em 2010, da organização do Campeonato do Mundo de 2022 – um processo muito questionado desde o início, devido às suspeitas de corrupção, as condições meteorológicas em que vão decorrer as partidas e a violação dos direitos dos trabalhadores que estão a construir os recintos.

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