Cayn Theakston, o lobo solitário que tenta esquecer as bicicletas

Tendinite, divórcio e aversão ao lado negro do ciclismo aceleraram fuga definitiva do pelotão antes mesmo de atingir o auge.

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Cayn Theakston, o terceiro estrangeiro a vencer a Volta a Portugal, tem protelado o regresso ao país que lhe proporcionou a maior vitória na efémera carreira de apenas cinco épocas no ciclismo, mundo que abandonou aos 25 anos, depois de uma lesão que se arrastou demasiado tempo e de um divórcio ruinoso. Traumas, ainda assim, insuficientes para dobrarem a ética e orgulho de desportista limpo.

Theakston arrecadou a vitória na 50.ª edição da prova-rainha, em 1988, imitando o belga Houbrecht (1967) e o espanhol Fernando Manzaneque (1973), repescado após desclassificação de Joaquim Agostinho, por controlo anti-doping positivo. “Nunca aceitei o doping no ciclismo, mesmo sabendo que partia em desvantagem. Para ser simpático, diria que as infracções eram mais do que poderíamos tolerar. Por isso, apesar de tudo, vencer uma prova com a dimensão da Volta a Portugal sem recorrer a qualquer estímulo é para mim a grande vitória de uma carreira… que não podia durar muito”, esclarece, enquanto repete que talvez em breve volte a Portugal, acompanhado da mulher.

“Estou tentado a visitar o Algarve em Setembro, quando for mais barato. O clima, a comida e as pessoas são fantásticas. E preciso enfrentar algumas coisas que ficaram mal resolvidas. Sempre pensei que um dia regressaria e voltaria a vencer a Volta a Portugal… Talvez agora vos visite para encerrar de vez esse capítulo da minha vida”, admite, sempre relutante em mergulhar no passado e nas voltas dessa Volta de 1988 ou mesmo da anterior.

Vitória que deixou escapar para Manuel Cunha, depois de uma queda aparatosa a caminho de Vila Pouca de Aguiar, que lhe retirou a possibilidade de se afirmar ao serviço do Louletano-Vale do Lobo no ano em que o Tour era dominado por outro britânico, o irlandês Stephen Roche. “A última vez que estive em forma foi em 1988”, confere, em jeito de resposta inequívoca sobre a sua actual relação com a modalidade, que se resume a umas pequenas voltas pelo parque. “Às vezes dou uns passeios de bicicleta com a Sheena, a minha mulher, e é tudo”, resume, acusando a falta de vontade de recuperar aqueles tempos de aparente sucesso, que nunca chegou a saborear.

“Depois da Volta de 1988 sofri uma lesão num tendão, que se tornou crónica, ainda ao serviço do Louletano, e devo confessar que não recebi o apoio esperado. Não sei se ignoravam a minha lesão ou se não se importavam. Nessa época não tínhamos agentes e acabei por ser explorado. Fisicamente ainda era um rapaz, estava muito longe ainda do que poderia vir a conseguir, mas agora não adianta nada lamentar-me”, conta, com um nó na garganta.

O problema físico acabaria por ser ultrapassado, mas as sequelas já se tinham alastrado à vida pessoal. “Apesar de tudo, superei a lesão, o que me custou dois anos de competição e… o casamento. A minha mulher deixou-me e as dívidas avolumaram-se”, recorda, disposto a justificar o prémio de combatividade num terreno demasiado inclinado para os seus padrões.

“Em 1990, assinei por uma equipa belga [a IOC-Tulip]. Depois disso as pressões foram fortíssimas e tinha que decidir. Era tudo uma questão de aceitar e sucumbir ao lado negro do ciclismo ou perder de vez o contacto com o pelotão”, defende, acabando assim, antes mesmo de poder atingir o auge da carreira, por abdicar do ciclismo e desaparecer sem deixar rasto da fuga de um campeão que poucos valorizaram devidamente.     

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