“Bora Bahia, minha pôrra!”

O Esporte Clube Bahia não é o clube mais célebre do Brasil. Mas é um dos históricos. Que o diga o Santos de Pelé, vítima em 1960 deste proto-Leicester que arrasta consigo milhões de baianos.

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A "torcida" do Bahia apoia o clube tricolor durante todo o jogo DR

O taxista está desgostoso. É do Bahia mas agora não põe os pés no Arena Fonte Nova, o nosso destino. “Roubaram o time e roubaram o futebol. Não vou ter nada com isso, não”. Não pensam assim os adeptos do clube fundado em Salvador, em 1931, que se vão agrupando à entrada do estádio remodelado para o Mundial de 2014. A cerveja serve-se fresca e abundam os profissionais da candonga. O futebol é igual em todo o lado.

Entramos e incitam-nos a acelerar o passo. Estamos a minutos do início do jogo que opõe o histórico Esporte Clube Bahia ao novato Globo Futebol Clube, nascido há quatro anos, para um desafio a contar para a Copa do Brasil. Estão pouco mais de três mil no estádio com capacidade para 50 mil e o Globo recém-nascido milita na quarta divisão estadual. Não é pelo fervor que a partida suscita que nos dizem para acelerar o passo. É que o futebol não é igual em todo o lado. No Brasil, em certos pormenores, é mesmo o inverso de Portugal.

Fumar na bancada é proibido, mas a cerveja não só é permitida, como o seu consumo é incentivado – acelera-se o passo porque pedir uma antes do apito inicial dá direita a dobrada: pague uma, leve duas. Uma cerveja em cada mão, ouvimos a banda-sonora de “Super-Homem” – o Homem de Aço é a mascote do clube – e vemos, pouco depois, uma cabeçada certeira resultar no primeiro golo. Saltam três mil nas bancadas e solta-se o grito de guerra oficial: “Bora Bahia, minha pôrra!”. Bora, que há um longo caminho a percorrer e forças não faltarão –não é por acaso que o clube tricolor é conhecido como “Esquadrão de Aço”.

Actualmente na segunda divisão, o Bahia luta por se reerguer depois de anos de péssima gestão o ter atirado para as divisões secundárias. Os tempos já foram piores. Agora, confia-se no ídolo da torcida, o guarda-redes Marcelo Lomba, confia-se no artilheiro Hernane “Brocador” –“esse aí fura tudo” -, confia-se nos adeptos e os adeptos confiam na história.

Em 1959, a Federação Brasileira organiza um torneio nacional que resultará na coroação do primeiro campeão do país. O Bahia é uma das dezasseis equipas participantes. Perante a concorrência de clubes como o Vasco da Gama de Bellini, capitão da canarinha campeã do mundo um ano antes, na Suécia, e, principalmente, do Santos de Pelé, o miúdo que saíra da Escandinávia como estrela maior, era-lhe atribuído tanto favoritismo quanto a um certo clube inglês em 2015/2016.

Mas eis que o Bahia chega às meias-finais e, ao fim de três jogos, Leo Briglia, lenda do Bahia e primeiro artilheiro do campeonato brasileiro, faz a diferença e torna o quase impossível realidade. Ficou a faltar o impossível: derrotar o Santos de Pelé, Pepe, Coutinho e Dorval.

O país fica em choque quando Pelé e companhia são vergados por 3-2 no Vila Belmiro. Os baianos preparam-se para celebrar, mas Pelé é Pelé e, no Fonte Nova, o Santos repõe a ordem natural das coisas (2-0). Dia 29 de Março de 1960, estádio do Maracanã. Coutinho põe o Peixe na frente, o Bahia responde pelo centrocampista Vicente. Ao primeiro minuto da segunda parte, Briglia mostra que o impossível não o era e, aos 76, o avançado Alencar coloca a primeira estrela de campeão sobre o emblema do Bahia.

28 anos depois, a 15 de Fevereiro de 1988, o taxista que já não vai ao estádio estava no Fonte Nova. Era um dos mais de 90 mil que assistiram à primeira mão da final do Brasileirão. Para trás tinha ficado novamente o Santos, então de Sócrates. Agora era tempo de enfrentar o Internacional de Porto Alegre, com Taffarel na baliza e Abel Braga, futuro treinador de Famalicão e Belenenses, no banco. O Bahia tinha Bobô e Bobô estava preparado para entrar na história. Dois golos na vitória por 2-1. Um empate na segunda mão e confirmava-se: o “underdog” era novamente campeão.

No renovado Fonte Nova, a equipa de reservistas do Bahia vencerá o Globo por 3-1. Não nos deixemos enganar pelo estádio quase vazio, avisam-nos – explicam-no o adversário e as 21h45 do pontapé de saída. Este é o clube que em 2007, quando se arrastava pela Série C brasileira, bateu o recorde de assistência média entre todas as divisões (40 mil por jogo). É o clube cujos adeptos são do Bahia mesmo do Bahia e nem lhes falem do Corinthians ou do Flamengo. Do Vitória, o rival de Salvador, ou “Vicetória”, como gostam de chamar ao clube que, em competições nacionais, acumula segundos lugares sem nunca ter sido campeão, é melhor não falar mesmo – principalmente este domingo, caso o Bahia não consiga dar a volta ao 2-0 sofrido na primeira mão da final do campeonato baiano.

Num dia de Abril, incentivaram a equipa, xingaram a equipa e questionaram as opções tácticas do treinador, Doriva, ex jogador do Futebol Clube do Porto. Gritaram “bora Bahia, minha pôrra” enquanto faziam contas ao início da Série B do Brasileirão. No Brasileirão ou na Série C, o Bahia continua. O taxista voltará certamente. Calhar-nos um “underdog” nas coisas da paixão futebolística pode tornar a vida tão romântica quanto difícil, mas a devoção é incondicional. E uma coisa é certa, chegará sempre o dia em que um qualquer Pelé cairá a nossos pés.

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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