Aconteça o que acontecer...

A esperança foi ao Jamor com os vimaranenses e a festa ficou a meio. Mas nem a chuva nem a derrota calou quem gritava pelos “conquistadores" e levava ao peito o “Vitória até morrer”.

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Adeptos do V. Guimarães quando deixavam o Minho e rumavam ao Jamor Paulo Pimenta

Quisesse António Francisco Machado quantificar o seu “grande amor pelo Vitória” e não conseguiria. “Adeptos não se medem nem aos palmos”, diz. E ele, que teria 50 anos de sócio para reavivar, fica-se pelas “memórias mais felizes” e “os melhores dias” da sua vida. Esperou 73 anos para ver o clube campeão no Jamor. Este domingo voltou para ver “o sonho repetir-se”. As esperanças saíram goradas e, “quem não gosta de perder nem a feijões”, sente-o. Mas nem por isso a Taça deixou de ser uma festa.

5h30. O sol ainda não tinha nascido e já Guimarães andava de cachecóis ao peito, bandeiras em punho. Uma fila com 220 autocarros saía da cidade berço rumo ao estádio nacional, nas últimas horas da madrugada. Eram os “conquistadores”, os “branquinhos”, os que levavam ao peito o “Vitória até morrer”, como se lia nas t-shirts.

António Francisco Machado é de lágrima fácil quando em questão está o seu clube. “O Vitória é como um filho, é um amor que não se explica”, diz baixinho, como quem conta uma história à mesa de almoço que nem todos podem ouvir. Condiz com o seu cabelo grisalho, a postura calma, o cachecol alinhado ao peito. É inexplicável como não chorou na final da Taça há quatro anos. Oxalá se lhe repita a oportunidade, deseja durante todo o dia. Ele e os mais de 50 amigos e familiares que seguiram no mesmo autocarro até ao Jamor.

8h. À paragem na estação de serviço, as lancheiras abrem de par em par. Independentemente da hora, os rissóis, os panados e a cerveja é que fazem a merenda. Em frente a cada autocarro, a respectiva mesa, os respectivos fritos, a respectiva conversa e boa-disposição. Quantos Ghilas, Morenos e Maregas se vêem entre a multidão.

António fez o mesmo caminho em 1988 para apoiar a equipa contra o FC Porto. Episódio que repetiu há sete anos. Há quatro, a “sorte sorriu à equipa” do berço contra o Benfica. Há poucos dias mais felizes que esse 26 de Maio de 2013. António e Amadeu Silva, 56 anos de sócio, recordam-no ao pormenor: a viagem, a companhia, a ansiedade, os golos de Soudani e Ricardo Pereira. Se alguém deles é o preferido? Não, que “isto de amar um clube é amar todos por igual”. Até Rui Vitória, que muito os orgulha, por estar a “dar cartas do que aprendeu no Vitória num clube maior”.

9h30. “Vai ser sofrido, mas vamos tratá-los ‘do piorio’”, era a promessa que Ricardo “Toni” Pinto deixava, ainda a manhã ia a meio. Veio de Espanha por “não haver festa no mundo maior que o Vitória”. Este não é só o clube da terra. E em Guimarães não há outro clube, garantem estes adeptos.

Armando da Costa fez mais de dois mil quilómetros desde Schwelm, na Alemanha. É a terceira final da Taça que vê nas cadeiras do Jamor. A terceira onde leva a bandeira preta e branca, que faz a viagem toda na janela traseira do autocarro. Leva-a para todo o lado há 20 anos. “É a primeira coisa a pôr na mala”.

Durante a viagem, os cânticos espelham o ânimo dos adeptos: “Eu sei que dói, mas eu sei que é lindo”. “Vitória, Vitória. É a hora”, chega-se ao Jamor ao som dessa confissão. 11h15.

“Aconteça o que acontecer”

A bordo estão 53 pessoas, dos sete aos 70 anos para que não haja dúvidas de que o futebol não tem idades. 690 euros em carne, 250 em cerveja.

11h30. A máquina já serve finos a toda a pressão e aquecem-se as brasas para o churrasco. As mesas de plástico alinhadas à sombra vão-se enchendo de petiscos. O presunto, ao canto, é o que mais sai. Neste autocarro de familiares e amigos, o serviço é organizado. Há um tesoureiro e a conta é dividida por todos.

A tarde é dedicada às histórias da Taça de 2013. “Provámos o caneco que foi uma maravilha”, ri-se, Noémia Costa, casada com António, sócia há 40 anos. Recorda como foi rápida a viagem de regresso a Guimarães, tal era a “ansiedade de voltar” a casa e festejar com os seus. Todos imaginavam que este domingo pudesse repetir-se “a sorte, o engenho, qualquer coisa”, diz Ricardo “Toni” Pinto antes de rumar ao estádio, mesmo que o favoritismo não estivesse do lado dos vimaranenses.

No final da partida, a chuva apagou as brasas do churrasco, mas não calou todas as vozes. Pelo caminho, um dos adeptos rompe o silêncio em que caminhava toda aquela gente de preto e branco. Começam a cantar até aos respectivos autocarros, prontos para voltar a casa: “Aconteça o que acontecer…”

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